• Mundo

    Sunday, 12-May-2024 16:38:06 -03

    Donald Trump normalizou ódio de racistas brancos nos EUA, diz analista

    DANIEL BUARQUE
    DE SÃO PAULO

    03/09/2017 02h00

    As manifestações racistas de Charlottesville, no mês passado, são uma prova de que o fascismo entrou no centro da política dos EUA nos últimos anos, segundo a cientista política Nancy Love.

    Professora da Universidade Appalachian, em Boone, na Carolina do Norte, a poucas horas de carro de Charlottesville, ela diz que o governo de Donald Trump consolidou a tendência de "normalizar o ódio".

    Alejandro Alvarez-11.ago.2017/Reuters
    Supremacistas brancos carregam tochas no entorno da Universidade da Virginia no dia 11 de agosto
    Supremacistas brancos carregam tochas no entorno da Universidade da Virginia no dia 11 de agosto

    Autora do livro "Trendy Fascism", lançado nos EUA no ano passado, Love analisou como os racistas usam expressões culturais (especialmente a música) para se fortalecer politicamente.

    A pesquisadora evita, entretanto, culpar diretamente Donald Trump por essa presença do fascismo no mainstream político e ressalta as diferenças institucionais entre os EUA e regimes propriamente fascistas.

    Love explica que grupos racistas sempre proliferaram em "espaços escondidos do ódio", mas que agora esses locais foram levados à internet, o que facilitou a ligação entre eles em todo o mundo.

    Além disso, avalia, há uma tendência em normalizar o fenômeno desde a eleição de Trump. "Ao evitar denunciar os racistas brancos, ele lhes deu espaço."

    A saída de Steve Bannon do cargo de estrategista-chefe do governo Trump diminui um pouco a representação óbvia dos racistas da Casa Branca, de acordo com a pesquisadora, mas não resolve o problema.

    "Representações mais sutis e simbólicas incluem a presença de homens brancos em fotos na Casa Branca, além do próprio Trump."

    O crescimento de movimentos racistas nos EUA se deve a vários fatores, segundo Love: mudanças demográficas, aumento da desigualdade, instabilidade econômica e uma reação à presidência de Barack Obama.

    "Apesar de o estereótipo de um supremacista branco ser a imagem de um branco pobre, sem educação e com raiva, o movimento é mais complexo. Ele inclui brancos com muita educação, relativamente ricos, além de mulheres e crianças brancas", diz.

    MÚSICA

    A pesquisa de Love se baseou na importância da música para grupos racistas. Segundo ela, em muitas instâncias nos EUA, canções ligadas à ideia de 'poder branco' substituíram discursos e textos como principal veículo pelo qual a mensagem racista é propagada.

    Apesar de analisar o fenômeno do racismo nos Estados Unidos, a pesquisadora avalia que essa questão vai além das fronteiras americanas atualmente.

    "O supremacismo branco envolve uma aliança global entre grupos que antes estavam separados, como a Ku Klux Klan, neonazistas e skinheads. O movimento é transnacional e 'transtradicional', ou seja, ele se apropria de símbolos de múltiplas culturas para criar uma identidade branca global híbrida", afirma Love.

    Ela não concorda, entretanto, com movimentos que defendem a censura dos grupos racistas nos EUA. A questão vai além da liberdade de expressão desses grupos, defendida por organizações de direitos humanos como a União Americana pelas Liberdades Civis (Aclu, na sigla em inglês). Para ela, a censura é contraproducente.

    "Duvido que essas medidas funcionem na era das redes sociais. A maior probabilidade é que elas levem os supremacistas brancos a se esconderem e a reforçarem seu sentimento equivocado de perseguição", disse.

    Em vez de proibir, ela acha que é mais importante entender o fenômeno.

    "Muitos americanos brancos não reconheceram as implicações da retórica de campanha de Trump. Já passou da hora de os americanos brancos aceitarem responsabilidade por transformar a longa história de supremacismo dos EUA."

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024