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    Contra o terrorismo, França cria grupo de inteligência financeira

    CLARICE SPITZ
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BORDEAUX

    10/09/2017 02h00

    AFP
    O terrorista Amedy Coulibaly, que invadiu supermercado kosher em 2015 e matou quatro
    O terrorista Amedy Coulibaly, que invadiu supermercado kosher em 2015 e matou quatro

    Para tentar evitar que novos atentados terroristas voltem a ocorrer, um pente fino tem sido feito em transferências bancárias, empréstimos pessoais, auxílios sociais e até plataformas de financiamento coletivo (crowdfunding) franceses.

    Uma divisão de inteligência formada por 12 agentes especializados atua para rastrear as fontes mais simples de recursos usadas por terroristas. A equação é simples: atentados, como ao jornal satírico "Charlie Hebdo", em janeiro de 2015, são de baixo custo e seu financiamento pode ser feito pelas formas mais triviais, como um empréstimo ou cartões pré-pagos.

    A busca não é por somas elevadas, mas por identificar pessoas que estejam envolvidas na rede terrorista.

    A divisão contra o financiamento do terrorismo francês faz parte do departamento que centraliza a luta contra a lavagem de dinheiro conhecido como Tracfin, dentro do Ministério das Finanças.

    Por dia, esse departamento checa cerca de 300 alertas de movimentações suspeitas de fraude fiscal fornecidas, principalmente, por bancos e seguradoras. Aquelas ligadas ao terrorismo são repassadas a autoridades que vão a campo. No ano passado, só a divisão antiterror do Tracfin emitiu 396 notas a autoridades judiciarias, uma alta de 121% em relação a 2015.

    São ações que tentam impedir novas fraudes como a feita pelo terrorista Amedy Coulibaly. Pouco tempo antes de invadir, em janeiro de 2015, um supermercado kosher e fazer reféns -três clientes e um empregado foram mortos-, ele conseguiu um empréstimo pessoal de € 6.000, com o uso de documentos falsos.

    Um dos primeiros testes para a divisão de inteligência antiterror ocorreu durante o atentado à casa de espetáculos Bataclan, em novembro de 2015. Apos os primeiros terroristas terem sido identificados, a análise de gastos com cartão de crédito e de contas bancárias ajudou a levar a polícia francesa a identificar a célula terrorista belga.

    "O governo francês conseguiu evitar 15 ataques desde o início do ano e muitos deles tiveram como base nossas informações", afirma Bruno Dalles, diretor do Tracfin.

    Desde 2015, o governo francês tenta reduzir o anonimato das transações ao limitar as retiradas em espécie e ao receber notificações sempre que saques de uma mesma pessoa superem € 10 mil em um mês. Saques ou depósitos de valor alto, em espécie, incoerentes com a renda de um indivíduo ou família também entram no radar.

    Neste ano, alertas de suspeitas em contratos de aluguel também começaram a passar pelo crivo da divisão.

    Embora não existam números oficiais, o think tank Centro de Análise do Terrorismo calcula que os ataques de janeiro e os de novembro de 2015 tenham custado, respectivamente, cerca de € 26 mil e € 82 mil.

    O presidente do órgão, Jean-Charles Brisard, afirma que apesar de o custo operacional dos atentados ser modesto, não se pode esquecer do grande investimento na infraestrutura de campos de treinamento e de propaganda, que hoje depende menos do petróleo e gás e mais de impostos e de extorsão.

    FALSAS ASSOCIAÇÕES HUMANITÁRIAS

    Outra frente de trabalho do grupo de inteligência financeira tem sido desbaratar falsas associações humanitárias, como a Síria, Prevenção Família, que supostamente auxiliava famílias de jovens que se radicalizaram.

    A investigação do Tracfin mostrou que, na prática, a associação financiava terroristas. Três dos membros, inclusive o presidente e a ex-tesoureira, são acusados de desvio de parte dos fundos, que teriam chegado a 90 mil euros com subsídios públicos.

    No ano passado, outra associação, a Sanâbil, foi dissolvida depois que o grupo comprovou que, em vez de apoiar presos, ela financiava a radicalização nos presídios. O próprio Amedy Coulibaly teria participado de eventos sociais da associação.

    A França faz parte do Gafi (Grupo de Ação Financeira), organismo internacional que faz recomendações para o combate da fraude fiscal. Também membro, o Brasil já foi criticado por não ter uma lei que tipificasse o terrorismo até o ano passado.

    ESTADO ISLÂMICO

    A perda de territórios dominados pela milícia terrorista Estado Islâmico na Síria torna a luta contra o microfinanciamento ainda mais importante, avalia o diretor do Tracfin, Bruno Dalles.

    De um lado, para tentar evitar que jihadistas franceses retornem ao país. As autoridades francesas estimam que cerca de 2.000 tenham partido para a Síria e que algumas centenas tenham potencial de voltar.

    De outro, para identificar quem são os chamados coletores, pessoas que se encontram sobretudo na Turquia e na Líbano, e que são responsáveis por reunir fundos em todo o mundo para o EI.

    "Antes o Estado Islâmico poderia se financiar localmente, mas com a perda de terreno ele necessita cada vez mais de fundos que vêm de fora", diz Dalles.

    A facção terrorista vem sofrendo derrotas impostas pela coalizão internacional liderada pelos EUA.

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