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    Violência eclode em ilhas caribenhas devastadas pelo furacão Irma

    AZAM AHMED e KIRK SEMPLE
    DO "NEW YORK TIMES", EM MARIGOT (SAINT MARTIN)

    11/09/2017 11h43

    As pessoas começaram a se reunir ao amanhecer para planejar como sobreviver após a passagem do furacão Irma.

    Começaram pelas mercearias e supermercados, levando o que precisavam para se alimentar: água, bolachas de água e sal, frutas.

    Mas ao anoitecer da quinta-feira, algo que começara como uma busca por comida assumiu um viés mais perigoso. Grupos de saqueadores, alguns deles armados, invadiram as lojas e levaram qualquer coisa de valor que ainda tivesse ficado: eletrônicos, eletrodomésticos e veículos.

    "Toda a comida já acabou", falou no domingo um morador de Saint Martin, Jacques Charbonnier, 63 anos. "As pessoas estão se enfrentando nas ruas para disputar o que sobrou."

    Nos poucos e longos dias passados desde que o furacão Irma fustigou o nordeste do Caribe, fazendo mais de duas dúzias de mortos e arrasando 90% das construções em algumas ilhas, a ordem social começa a se desgastar em algumas das comunidades mais duramente atingidas.

    Moradores de Saint Martin e outras ilhas da região falaram de uma desintegração geral da lei e ordem social, com sobreviventes enfrentando escassez grave de alimentos e água, sem eletricidade e sem sinal de telefone.

    Categorias de furacões

    Enquanto informações sobre o clima de desespero crescente continuavam a emergir da região no fim de semana, os governos do Reino Unido, França e Holanda, responsáveis por territórios na região, intensificaram sua resposta. Defenderam-se contra as críticas de que sua reação teria sido demasiado lenta e insuficiente.

    Os governos francês e holandês disseram que estão enviando tropas adicionais para restaurar a ordem, além das cargas de alimentos e outros materiais que estão sendo levados à região por via aérea.

    Após uma reunião de emergência com seu governo no domingo, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou que na terça-feira vai viajar a Saint Martin, território francês no ultramar. Macron também anunciou no sábado que dobrará, de 1.100 para 2.200, o número de militares franceses enviados à região. As autoridades dizem que o aumento é em parte em resposta à anarquia instalada em Saint Martin.

    Em St. Maarten, o lado da ilha que é território holandês e onde o nome da ilha segue grafia diferente, também vêm ocorrendo saques generalizados de estabelecimentos comerciais, embora o problema teria diminuído no domingo, mesmo que não tenha desaparecido por completo.

    "Houve alguns saques nos primeiros dias, mas os marines holandeses e a polícia estão nas ruas para impedir esses incidentes", disse no domingo o publisher do jornal "The Daily Herald", de St. Maarten, Paul De Windt.

    "Algumas pessoas roubam artigos de luxo e bebidas, mas muitas estão roubando água e biscoitos."

    Mais de 265 militares holandeses foram enviados a St. Maarten, e a expectativa é que outros 250 sejam despachados para a região nos próximos dias para ajudar a manter a ordem e socorrer flagelados, disse o governo holandês. Além disso, 90 policiais foram levados de avião de Curaçao, outro território holandês.

    O furacão atingiu a região diretamente a partir da quarta-feira, destruindo portos e aeroportos, colocando as redes de eletricidade e água fora de ação e deixando muitas dezenas de milhares de habitantes e turistas isolados e cada vez mais desesperados, sem terem para onde ir.

    A crise se agravou no sábado, quando o furacão José passou pela região. Embora as ilhas destruídas pelo Irma não tenham sido diretamente atingidas pelo segundo furacão, a chegada do José levou à suspensão das operações de assistência emergencial e resgate, prolongando a agonia de muitas pessoas.

    No domingo as autoridades anunciaram que mais dois corpos foram encontrados em St. Maarten, elevando para pelo menos 27 o número de mortes no Caribe que podem ser atribuídas ao furacão Irma. De acordo com a Associated Press, cerca de uma dúzia de mortes dos dois lados da ilha já foram atribuídas ao furacão. Mas os habitantes insistem que o número de mortos é muito maior.

    Embora não haja como checar essas afirmações, elas ilustram o clima de medo e boataria que reina no local, com as pessoas isoladas do resto do mundo, as estradas bloqueadas e a maior parte da ilha sem sinal de celular.

    As notícias estão sendo transmitidas principalmente boca a boca, levando a exageros no que é divulgado. Um boato que estava fazendo as rondas no domingo era que centenas de pessoas haviam morrido, algumas atacadas por detentos que teriam fugido de um presídio local.

    O governo francês negou os rumores sobre uma alegada fuga de detentos no domingo. Mas alguns moradores de Saint Martin contaram que testemunharam cenas de violência, com pessoas disputando comida a tapas em supermercados e saqueadores armados com revólveres e outras armas.

    Moradores disseram que homens armados entraram no Hotel Flamboyant, em Marigot, a capital do lado francês da ilha, e assaltaram turistas, batendo nas portas de seus quartos, apontando armas para eles e roubando seus objetos de valor.

    Lionel Chamoiseau - 6.set.2017/AFP
    A photo taken on September 6, 2017 shows damage outside "Le flamboyant" hotel and resort in Marigot, on the Bay of Nettle, on the island of Saint-Martin in the northeast Caribbean, after the passage of Hurricane Irma. France, the Netherlands and Britain on September 7 sent water, emergency rations and rescue teams to their stricken territories in the Caribbean hit by Hurricane Irma, which has killed at least 10 people. The worst-affected island so far is Saint Martin, which is divided between the Netherlands and France, where eight of the 10 confirmed deaths took place. / AFP PHOTO / Lionel CHAMOISEAU
    Hotel Flamboyant na quarta-feira (6) após passagem do furacão Irma na ilha de Saint Martin

    A Gendarmaria Nacional Francesa, cujas tropas estão presentes em Saint Martin e Saint Barthélemy, outro território francês do ultramar devastado pelo furacão, anunciou no Twitter no domingo que fez 23 prisões. O Ministério do Interior francês disse em comunicado: "Recursos extraordinários foram enviados às Antilhas. O governo está totalmente mobilizado."

    Autoridades americanas informaram no domingo que ajudaram a retirar 1.200 cidadãos americanos de Saint Martin, muitos deles em aviões C-130 que os levaram a Porto Rico.

    No domingo, também Cuba enfrentava a destruição deixada pelo furacão Irma, que passou sobre a costa norte da ilha no sábado.

    Embora não tenham sido noticiados mortos ou feridos, Havana acordou na manhã de domingo e encontrou danos extensos. Os moradores da capital, que passaram a noite no escuro depois de as autoridades terem cortado o fornecimento de energia como precaução, encontraram árvores e postes de eletricidade caídos e tanques de água despedaçados. A inundação avançou mais de 600 metros cidade adentro.

    Mas os danos na capital foram pequenos comparados com o que outras partes da ilha sofreram. Na cidade litorânea de Matanzas, 100 quilômetros a leste, casas térreas estavam completamente submersas.

    As ilhas turísticas de Cayo Romano e Cayo Coco sofreram destruição grave. Um vídeo postado no Facebook mostrou quartos de hotel em escombros e pilhas de concreto e rolos de aço nos saguões dos estabelecimentos.

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    Há mais de 50 hotéis turísticos nas ilhas do norte de Cuba, que fornecem divisas muito necessárias ao país.

    O governo cubano iniciou os esforços de assistência emergencial imediatamente, enviando forças de segurança em grande número para as áreas mais afetadas, juntamente com comboios de caminhões levando alimentos e equipamentos pesados para ajudar a remover escombros.

    "Cuba é um país muito organizado", comentou Orlando Eorlsando, 53 anos, em Havana, enquanto substituía a porta destruída de sua casa por uma tábua de compensado. "A prioridade do governo é garantir a segurança da população e preservar a vida."

    Enquanto a resposta cubana parecia ser uma máquina bem azeitada, em outras partes do Caribe a reação governamental tem sido precária, dizem críticos.

    Na França, as críticas à resposta do governo ao furacão vieram primeiramente da oposição ao presidente Macron, interessada em usar o furacão para desancar sua administração.

    Um ex-ministro dos territórios de ultramar franceses, Victorin Laurel, fez uma crítica mais moderada, dizendo que a situação requer "mais recursos, mais planejamento logístico, mais transportes e um navio-hospital".

    No Reino Unido, parlamentares do governista partido Conservador e também da oposição Trabalhista acusam o governo de não ter tomado precauções adequadas para proteger os habitantes de três territórios britânicos no caminho do furacão Irma e do furacão José.

    Cerca de 75 mil pessoas, em sua maioria de nacionalidade britânica, vivem nos territórios caribenhos de Anguilla, Turks e Caicos e Ilhas Virgens Britânicas, todos os quais sofreram danos extensos causados pelo furacão Irma.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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