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    Crítica

    Livro é testemunho vívido do 'consigliere' diplomático do Brasil

    MATIAS SPEKTOR
    COLUNISTA DA FOLHA

    26/09/2017 02h00

    "Quem é o Rubens Ricupero da nova geração?", perguntou-me outro dia um brasilianista. Resposta satisfatória não há, pois Ricupero talhou para si um lugar na vida pública brasileira que continua sendo único.

    Ele é o consigliere diplomático por excelência. Quando Bobby Kennedy pousou em Brasília para dar um ultimato a João Goulart, antes do golpe, Ricupero estava lá. Quando Tancredo Neves montou um périplo internacional para legitimar a presidência indireta, Ricupero estava lá. Quando José Sarney avisou aos argentinos (antes do mundo) que o Brasil enriquecia urânio, foi ele o portador do recado presidencial. Quando Fernando Collor precisou de um elo com a Casa Branca, lá foi o embaixador.

    Marlene Bergamo/Folhapress
    O ex-ministro Rubens Ricupero concede entrevista à *Folha* em seu apartamento em São Paulo
    O ex-ministro Rubens Ricupero concede entrevista à Folha em seu apartamento em São Paulo

    Foi Ricupero quem assumiu a Fazenda para FHC poder sair candidato no governo Itamar. Foi com ele que a candidatura de Marina Silva definiu parte de seu tom. E foi nele que o comando do Itamaraty encontrou sua principal referência no governo Temer. A classe política pede seu conselho uma e outra vez.

    Só que este consigliere tem um estilo todo pessoal. Impaciente com o conforto dos gabinetes, Ricupero gosta de embate. Escreveu uma dúzia de livros, assinou por décadas uma coluna nesta Folha, e abraçou a causa do ambientalismo com a energia do mais aguerrido ativista.

    Muitas vezes exercitou o ofício de historiador. Leitor voraz e dono de uma memória implausível, tem um domínio do passado que assombra qualquer interlocutor.

    Seus inimigos disputaram-lhe as ideias, mas nunca lhe questionaram a integridade e honra pessoal. Discutir com ele foi, e continua sendo, um grande prazer da boa batalha intelectual. Não há no Brasil de hoje personagem igual.

    Este livro é seu mais completo testamento. Na superfície, é uma história ambiciosa da diplomacia brasileira —com começo em 1640 e fim em 2016— contada a partir das tradições do Itamaraty, com todas as vantagens e problemas que isso acarreta.

    Trata-se, no entanto, de algo bem mais complexo e fascinante porque, na prática, há dois livros em um.

    O primeiro sintetiza os dramas nacionais e internacionais de cada governo brasileiro. Dos imbróglios da Regência aos dilemas de Ernesto Geisel, há detalhes curiosos, passagens deliciosas e humor mordaz. Como em trabalhos anteriores, a idolatria por Rio Branco e San Tiago Dantas dá o tom.

    O segundo livro embutido nesta obra é mais ambicioso e agressivo. Ricupero volta à história das batalhas diplomáticas do Brasil no Prata para desfechar seu golpe contra a política externa do PT, em pleno século 21.

    Em sua narrativa, o grande acervo diplomático do Brasil está na prudência, na rejeição aos voluntarismos, na temperança e na desconfiança profunda da busca de prestígio de chefes de governo e chanceleres. Há nisso uma certa idealização do passado, haja vista os avanços da historiografia sobre o período.

    Para Ricupero, os limites estruturais ao poder do Brasil dificultam iniciativas internacionais ambiciosas. Sem excedente de poder, o custo de oportunidade de uma diplomacia ativista é enorme.

    A Diplomacia na Construção do Brasil
    Rubens Ricupero
    l
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    Agora que o país assiste atônito à decadência da Nova República, a experiência de homens como Ricupero é mais valiosa do que nunca. Este livro oferece uma visão própria da forma como o passado ilumina as escolhas difíceis do presente.

    *

    A diplomacia na construção do Brasil - 1750-2016
    QUANTO: R$ 89,90 (784 PÁGS.)
    AUTOR: RUBENS RICUPERO
    EDITORA: VERSAL EDITORES

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