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    Destruição após furacão revive anseio de Porto Rico de virar Estado dos EUA

    SILAS MARTÍ
    DE NOVA YORK

    28/09/2017 02h00

    "Tudo lá virou chocolate." Em sua barbearia em Loisaida, o enclave porto-riquenho no sul de Manhattan, Raúl Vélez fala da cor da lama que invadiu a ilha onde nasceu depois da passagem do furacão Maria, na semana passada. "Não há água, não há comida, não há comunicação."

    Ele se preocupa com o pai, os tios e os irmãos que ainda vivem em Porto Rico.

    Na avenida C, no Lower East Side, Vélez não é o único nessa situação e, como muitos ali, espera a chegada de parentes que conseguirem uma passagem de avião para fugir do caos e da destruição.

    Nova York concentra o maior número de porto-riquenhos nos EUA fora da ilha, e políticos locais discutem como administrar uma nova leva de pelo menos 20 mil migrantes que aguardam para embarcar nos próximos voos —todos os nascidos na ilha caribenha de 3,4 milhões de habitantes são cidadãos americanos e podem viver no continente.

    Mas só agora, depois que a tempestade com ventos de 250 km por hora matou pelo menos 16 pessoas e arrasou quase toda a ilha, que ficou sem água, luz e sinal de celular, esse dado parece ter entrado para a agenda política.

    Enquanto Porto Rico afundava na escuridão, sem hospitais e gasolina, Donald Trump tuitava contra jogadores de futebol americano que se ajoelham na hora do hino nacional, em protesto contra a violência policial, em vez de reconhecer o desastre. Depois de sofrer pressão, o presidente anunciou que visitará a ilha na semana que vem.

    "O fato de ele não estar se concentrando em Porto Rico mostra a categoria de ser humano que é", diz Rosemarie Vargas, uma advogada porto-riquenha, sobre Trump. "Porto Rico é um território dos EUA. Não somos imigrantes e não deveriam tratar gente da ilha como tal."

    Diante das reclamações e do medo de que a situação da ilha descambe para uma "crise humanitária", nas palavras do governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló, congressistas democratas, como Nydia Velazquez (Nova York) e Luis Gutierrez (Illinois), aumentaram as cobranças ao governo federal.

    Trump respondeu relaxando exigências para que a ilha pague sua parte das despesas do orçamento federal para reagir a desastres naturais, mas não permitiu, como fez no caso dos furacões Harvey, no Texas, e Irma, na Flórida, que qualquer navio levasse mantimentos à ilha —uma lei exige que todas as embarcações transportando bens entre dois portos do país sejam de propriedade americana.

    "Mandamos volumes maciços de comida, água e mantimentos a Porto Rico e continuamos a fazer isso de hora em hora", afirmou Trump. "É muito difícil porque é uma ilha no meio de um oceano muito grande, mas estamos fazendo um bom trabalho. Conheço muitos porto-riquenhos, eles são boas pessoas."

    Nem todos, no entanto, compram o discurso. Uma congressista disse que a demora do presidente em reagir poderia fazer disso "seu Katrina", lembrando as críticas à reação de George W. Bush ao furacão que destruiu a Louisiana há 12 anos.

    O desastre em Porto Rico, aliás, reavivou uma reivindicação antiga da ilha de se tornar o 51º Estado americano, garantindo acesso a verbas federais, o direito ao voto em eleições presidenciais e maior representação parlamentar em Washington.

    "Porto Rico é uma colônia. Nunca foi um Estado livre associado, sempre foi uma colônia enganada", diz Vélez, o barbeiro. "Mas, agora, com essa situação, tem de virar um Estado. Se fosse assim, a ajuda humanitária teria de chegar. Chegaria na hora."

    Sentada à mesa do restaurante que abriu em Manhattan há quatro décadas, Adela Fargas não desgruda os olhos da TV, que mostra a destruição na ilha.

    "Fico preocupada. Minha família está toda lá", diz. "Foi péssima a reação do governo até agora."

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