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    Para ser legal, plebiscito catalão teria de ser feito em toda a Espanha

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A BARCELONA

    03/10/2017 02h00

    A consulta separatista catalã foi marcada por irregularidades e será contestada por ter registrado comparecimento às urnas de apenas 2,2 milhões de pessoas, o equivalente a 42% do eleitorado —para Madri, porcentagem insuficiente para representar toda a região.

    Mesmo com uma alta participação, dificilmente a consulta seria levada em conta pelo governo central.

    Eloy Alonso/Reuters
    Manifestantes pró-independência fazem protesto em frente à sede da Polícia Nacional em Barcelona
    Manifestantes pró-independência fazem protesto em frente à sede da Polícia Nacional em Barcelona

    A legislação espanhola não prevê esse tipo de plebiscito, segundo Joan Lluís Pérez Francesch, professor de direito na Universidade Autônoma de Barcelona.

    A lei que regula as consultas populares estipula apenas a realização de plebiscitos consultivos, não vinculantes. Ou seja, os resultados não são necessariamente aplicados, explica.

    O voto precisaria ser feito em território nacional, e não apenas em uma região, caso do plebiscito catalão de domingo —o restante da Espanha não pôde participar. "A ideia é de que a soberania nacional reside em todo o povo, e teria de ser objeto de consulta em toda a nação", diz Francesch.

    Ainda pelo texto, a convocação cabe ao governo central e envolve o próprio rei. A Catalunha, porém, convocou sozinha sua consulta, a despeito dos alertas dos tribunais e de Madri.

    Essa é a lei. Mas Francesch insiste em que a situação não pede um debate apenas constitucional, e diz que a interpretação do governo espanhol foi intencionalmente restrita para impedir essa consulta popular.

    "É absurdo falarmos em termos estritamente legais. Essa não é uma situação normal", diz o professor.

    "Nada impediria um plebiscito vinculante em parte do território, se houvesse vontade política do governo central", afirma.

    Com a maioria absoluta do Congresso, a lei que rege as consultas populares poderia ser mudada. O cenário, no entanto, é improvável na atual legislatura. O conservador Partido Popular, que governa o país, não aprovaria a reforma. Tampouco seu aliado Cidadãos, de centro-direita.

    "O que quer dizer a lei? O Estado de Direito significa fazer o possível para impedir uma reivindicação democrática?", pergunta o acadêmico. Francesch fala em "constitucionalismo inquisitório" ao descrever as ações de Madri. "Pagamos um governo para dificultar as demandas sociais e chamamos isso de lei. É usar o nome da Constituição em vão."

    INDEPENDENTE POR UM DIA

    O passo final para a declaração da independência catalã caberá a seu Parlamento. A lei de ruptura aprovada pela região prevê que o resultado do plebiscito de domingo seja encaminhado aos legisladores, para que declarem a sua separação da Espanha. Isso pode ocorrer no fim desta semana ou durante a seguinte, o que depende de negociações políticas.

    O Parlamento catalão, com fundação moderna em 1932, fica no Parque da Cidadela, onde no século 18 foi criada a então maior fortaleza da Europa com o intuito de manter a população sob controle, após sucessivas rebeliões.

    O rei espanhol Felipe 5º havia tomado Barcelona em 11 de setembro de 1714 e suspendido a autonomia gozada pela Catalunha durante séculos. Essa data é celebrada anualmente como peça-chave da cultura catalã, a Diada.

    No século 20, a Catalunha chegou a ser independente por um dia. Em 6 de outubro de 1934, Lluís Companys proclamou um Estado catalão. Os membros da administração foram detidos no dia seguinte, e a autonomia catalã, revogada pela Espanha.

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