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    Sob Donald Trump, hino nacional dos EUA parece glorificar guerra

    SILAS MARTÍ
    DE NOVA YORK

    08/10/2017 02h00

    No brilho dos disparos dos canhões e das bombas explodindo no ar, tremula a bandeira estrelada. Os versos iniciais do hino dos EUA descrevem uma cena de batalha —o ataque britânico ao forte McHenry, em 1812.

    Dois séculos depois, em discurso na Assembleia-Geral da ONU, Donald Trump definiu como "caráter americano" a qualidade de "emergir vitorioso das guerras mais sangrentas" e falou da "devoção [que] se mede nos campos de batalha, das praias da Europa aos desertos do Oriente Médio e selvas da Ásia".

    O patriotismo bélico do presidente ecoa a natureza militar do "Star-Spangled Banner", o hino do país, e reflete o discurso que domina o país na ressaca do massacre em Las Vegas e dos protestos de jogadores de futebol americano que se ajoelham no campo na hora da canção, em crítica simbólica à violência policial.

    "É interessante ver como um símbolo patriótico pode refletir o presente", diz Mark Clague, historiador que estuda mudanças na leitura da composição ao longo das últimas duas décadas.

    "Muitas das questões que nos fazemos hoje sobre polícia, autoridade, direito ao porte de armas e violência têm a ver com aquilo que escolhemos ser enquanto nação", afirma. "Uma canção, ao contrário de uma bandeira inerte, volta à vida quando cantada. Ela faz o passado dialogar com o presente e pode moldar também o futuro."

    Desde o acirramento dos conflitos raciais no país, que explodiram com a sequência de jovens negros mortos por policiais, Clague aponta uma interpretação cada vez mais frequente dos versos do hino nacional, visto por muitos como um manifesto racista em defesa da supremacia branca.

    Ele lembra, no entanto, que o entendimento vem mudando ao longo da história. Em sua campanha à Presidência no século 19, Abraham Lincoln alterou os versos. Na época, cada questão social inspirava novas estrofes do hino, publicadas nos jornais em defesa de uma ou outra causa.

    Segundo Clague, houve nas 80 versões conhecidas da canção tanto versos em defesa dos direitos das mulheres quanto a favor da proibição do álcool, além de elogios da escravidão.

    Mas o dado mais espantoso, na visão do historiador, é a forma como o hino, turbinado pelos discursos de Trump e sua defesa dos símbolos patrióticos, acaba soando hoje como a "glorificação da guerra e da violência".

    "Essa visão da guerra como algo patriótico e indolor é um dos perigos da canção", diz Clague. "A ideia de que uma guerra tem mais a ver com fogos de artifício do que com sangue derramado deixa todos confortáveis demais com a noção de luta e de conflito armado."

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