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    Já passou fase do diálogo com Maduro, diz ex-deputada que boicotou eleição

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

    18/10/2017 02h21

    Carlos Garcia Rawlins - 30.jul.2017/Reuters
    A ex-deputada María Corina Machado dá entrevista no dia da eleição para a Assembleia Constituinte
    A ex-deputada María Corina Machado dá entrevista no dia da eleição para a Assembleia Constituinte

    Único nome de peso da oposição ao ditador venezuelano Nicolás Maduro a se negar a participar das eleições para governadores , no último domingo (15), a ex-deputada María Corina Machado, 50, disse que o pleito foi uma "fraude cantada".

    O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado por aliados de Maduro, anunciou que o chavismo venceu a votação em 17 dos 23 Estados.

    A oposição, declarada ganhadora em cinco, acusa o órgão de fraude —pesquisas apontavam vitória de seus candidatos em ao menos 15.

    Machado declarou que não vê saída para a crise no país "pela via eleitoral" e lançou críticas à oposição que aceitou fazer parte do pleito.

    "Eles desrespeitaram o sacrifício dos que lutaram pelo fim da ditadura", disse, em alusão aos manifestantes e aos 130 mortos desde abril nos protestos contra Maduro.

    A ex-deputada conversou com a Folha, em Caracas.

    *

    Folha - O que pode fazer a comunidade internacional, além de pedir diálogo?

    María Corina Machado - É preciso que entenda que esta não é qualquer ditadura. Estamos diante de um regime criminoso. Portanto, pedir diálogo é inútil. Maduro não tem palavra. Tudo o que ofereceu nos diálogos foi violado.

    É o caso deste processo eleitoral. O regime havia dito à oposição que essa seria uma eleição razoável. E então cometeram fraude, humilhando os que acreditaram nele.

    A opinião internacional não pode se enganar. Nós temos, sim, de buscar uma solução negociada, mas para sair da ditadura, não para fazer transações políticas. Precisamos de mais pressão de fora, mas não bastam declarações politicamente corretas. Já passamos dessa fase.

    Você acredita que não há saída eleitoral para essa situação. Qual seria, então?

    Não há saída eleitoral enquanto o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) for controlado pelo regime. Nós defendemos a substituição imediata dos atuais reitores do CNE. Se isso não ocorrer, devemos deixar de participar das eleições para prefeitos e para presidente (previstas, respectivamente, para o primeiro semestre e para dezembro de 2018).

    Apesar da suspeita de fraude na eleição, ninguém saiu às ruas. As pessoas se cansaram de protestar?

    As pessoas não se cansaram. Mas se decepcionaram com a condução política da oposição, que lhes prometeu que a pressão da rua era para tirar a ditadura do poder. Fizemos um plebiscito [não oficial] em 16 de julho em que se pediam eleições. Foi por isso que as pessoas foram às ruas.

    Mas não foi o que aconteceu. Depois do 16 de julho, parte da oposição aceitou participar dessas eleições fraudulentas, ficar com o comando de apenas cinco Estados, e que Maduro permanecesse no cargo até o fim.

    Você não está vendo manifestações nas ruas porque as pessoas decidiram não apostar mais as próprias vidas em uma oposição que está disposta a aceitar migalhas.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Os cinco governadores da oposição eleitos estão sendo pressionados a prestar juramento à Assembleia Constituinte. Se o preço para assumir for esse, acha que devem fazê-lo?

    De maneira nenhuma. Seria uma traição.

    Mas isso pode fazer com que sejam impedidos de assumir. O mapa ficaria todo vermelho de novo. Vale a pena?

    Respondo com outra pergunta. Se eles se submeterem à Constituinte, acha que seus cargos serão reais espaços de poder? Não. Eles serão governadores sem orçamento, sem polícia, sem competência. Em troca de quê?

    Veja a incoerência dessa oposição. No momento em que tínhamos mais força para ameaçar o governo, o regime lançou um salva-vidas envenenado. E essa parte da oposição o agarrou. Agora estão pagando o preço.

    Como podem prestar juramento a uma Constituinte que quase o mundo inteiro não reconhece?

    Nos dias anteriores, esses opositores se justificaram dizendo que valia a pena ocupar os espaços de poder que pudessem, ainda que soubessem que disputavam num campo de jogo inclinado para um lado.

    Foram enganados. O campo de jogo não estava inclinado, e sim totalmente controlado. Como se explica que um país em que 80% da sociedade está contra Maduro dê a ele quase 80% dos governos dos Estados?

    Você teme uma explosão de insatisfação social, não da classe média urbana, mas das pessoas mais pobres, para quem a falta de recursos está se tornando um problema ainda mais grave?

    Sim, isso vai acontecer. Hoje, temos a metade das crianças do país desnutridas, as pessoas estão morrendo por falta de comida e de remédios diariamente.

    E então, novamente, por que não estão nas ruas?

    Porque, além de faltar uma direção política, há um regime de terror reprimindo. Havia mais de 200 mil militares rondando os postos de votação no domingo. Não foi um processo eleitoral, foi um exercício militar.

    Esta é uma sociedade que tem uma bota em cima do pescoço. Até outro dia, estava disposta a se arriscar. Mas a oposição os iludiu com a ideia de diálogo. E aceitou que Maduro ficasse mais um ano. Não há mais que dialogar com Maduro. Que garantia há de que, em um ano, Maduro cumpra o que prometeu? Nenhuma.

    Essa mesma oposição diz: "Ah, mas se em um ano ele não cumprir, usamos a força". Eu digo que não, que a usemos agora. Dentro de um ano, mais venezuelanos terão morrido ou ido embora.

    Que ações deveriam tomar os vizinhos Brasil e Colômbia?

    Eu diria que se preparem, que vejam como são os campos de imigrantes no Oriente Médio. Porque se a situação aqui seguir assim, vamos ter isso no Brasil e na Colômbia.

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