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    Quem é a "geração-bolha" chinesa, que cresceu durante o boom econômico

    JOHN RUWITCH
    ANITA LI
    DA REUTERS, EM WUHAN (CHINA)

    18/10/2017 12h08

    Podemos chamá-la de a geração-bolha chinesa.

    Seus integrantes nasceram depois da repressão aos protestos pró-democracia na praça Tienanmen, foram criados em sua maioria sem irmãos numa época de boom econômico sem precedentes e atingiram a maioridade quando Xi Jinping, o líder chinês mais forte em décadas, estava chegando ao poder.

    É uma geração que cresceu numa era de prosperidade e paz, uma geração que não "comeu amargura" –ou seja, não lutou–, como fizeram seus pais e avós.

    Com Xi agora iniciando um novo período de cinco anos como líder máximo da China, a Reuters procurou conhecer alguns membros dessa geração-bolha –dez pessoas que concluíram a universidade e ingressaram na força de trabalho no início do primeiro mandato de Xi, cinco anos atrás.

    Eles são a "turma de 2012".

    Os dez homens e mulheres entrevistados representam apenas uma ínfima fração dos 190 milhões de pessoas nascidas na década de 1990, mas ofereceram insights importantes sobre a China de Xi Jinping e a geração que vai herdar seu legado.

    Eles vivem em Pequim, Xangai, Chengdu, Wuhan e Putuan, na província de Hubei. Suas origens são diversas. São filhos e filhas de um ex-proprietário de fábrica, de donos de restaurante, um médico, um operário da construção, um funcionário governamental local e um administrador escolar.

    Estudaram em três universidades diferentes: a maior universidade chinesa de comércio e economia, em Pequim, uma universidade regional na cidade central de Wuhan e uma escola de tecnologia de terceiro nível na cidade de Chengdu, no sudoeste do país.

    Isso os torna privilegiados, em certa medida, em um país onde relativamente poucos chegam a cursar o ensino superior.

    Suas experiências de vida diferem, às vezes muito. Mesmo assim, eles têm bastante em comum.

    Eles são otimistas, têm a cabeça aberta e tendem a ter espírito libertário, apesar de os deveres e as raízes familiares ainda serem importantes. Entre os que não estão casados, alguns sentem pressão aguda para encontrarem um par. Outros rejeitam ativamente a trajetória tradicional.

    "Acho que uma coisa boa de nossa geração é que nossa vida é mais direcionada", opinou Wu Qiong, 27 anos, filha de uma vendedora de seguros e de um diretor de pré-escola em Wuhan. "Sabemos como queremos viver nossa própria vida, em vez de todos viverem do mesmo jeito."

    John Ruwitch - 13.set.2017/Reuters
    Qin Lijuan, a senior wealth management consultant and manager at CreditEase, poses for pictures in Chengdu, Sichuan province, China, September 13, 2017. Picture taken September 13, 2017. REUTERS/John Ruwitch ORG XMIT: HFSTPE29
    Qin Lijuan, 28, trabalha como consultora financeira e é ótimista em relação ao futuro da China

    Eles têm sede de viajar e viver experiências novas. A maioria deles foi criada com conforto em suas vidas. Eles sempre tiveram tudo que precisavam —comida e roupas— e com frequência muito mais que isso, como Gameboys Nintendo e viagens nas férias.

    Todos conheceram crescimento econômico extraordinário ano após ano, o que torna um desaquecimento econômico doloroso algo difícil para eles imaginarem. No mundo deles, os preços dos imóveis apenas sobem —uma faca de dois gumes para adultos jovens tentando viver independentemente.

    A trajetória ascendente da China é, para eles, um fato óbvio e garantido.

    "Acho que o mundo está melhorando sempre", disse Qin Lijuan, 28 anos, consultora financeira pessoal em Chengdu. "Mesmo que enfrentemos uma crise econômica, desde que você trace planos seguros, sua vida ainda será livre de preocupações."

    Como muitos na China, os membros da chamada "turma de 2012" projetam apatia política –talvez refletindo cautela instintiva em relação a um tema sensível quando estão na presença de jornalistas, ou então manifestando despreocupação genuína.

    "Não ligo para a política, porque meu trabalho não tem nada a ver com a política", disse Zheng Yue, 27, decoradora de interiores em Chengdu. "Além disso, não posso resolver problemas políticos. Mesmo que eu me preocupasse muito com isso, não adiantaria nada. Não posso mudar nada."

    Quando questões políticas penetram em seu cotidiano, como a censura da internet, eles sempre encontram maneiras de driblar o problema para que ainda possam assistir a seus programas de TV favoritos ou às reportagens noticiosas que interessam a eles.

    John Ruwitch - 14.set.2017/Reuters
    Banker Wu Qiong poses for pictures in Wuhan, Hubei province, China, September 24, 2017. Picture taken September 24, 2017. REUTERS/John Ruwitch ORG XMIT: HFSTPE15
    Zheng Yue, 27, não se interessa por política, assim como outros jovens da sua geração

    OTIMISMO CONTAGIANTE

    Xi Jinping enfrenta desafios socioeconômicos profundos e já deixou claro que, a seu ver, o país precisa de mais, e não menos, controle governamental.

    Mas, e se as coisas derem errado, se a narrativa chinesa mudar ou se a economia sofrer um desaquecimento importante, como muitos economistas consideram ser inevitável? E se ela chegar a um beco sem saída?

    "Os jovens chineses parecem compartilhar com os jovens americanos dos anos 1950 e 1960 um abismo geracional quase intransponível e um otimismo enorme", comentou Michael Pettis, professor de finanças na Escola Guanghua de Administração da Universidade de Pequim.

    Mas ele acha que esses jovens provavelmente estão pouco preparados para encarar choques futuros, não obstante a experiência de vida e os conselhos de seus pais.

    Experimente dizer isso a Wu.

    Nascida e criada em Wuhan, capital da província de Hubei e situada no interior, a 700 km de Xangai, Wu é de muitas maneiras emblemática da "turma de 2012".

    Bem-falante e alegre, Wu, depois de se formar na universidade, decidiu que o diploma de inglês que conseguira seria insuficiente para ela realizar suas ambições, então fez um mestrado em contabilidade. Hoje ela trabalha no departamento de compensações internacionais de um banco estrangeiro.

    John Ruwitch - 24.set.2017/Reuters
    Banker Wu Qiong poses for pictures in Wuhan, Hubei province, China, September 24, 2017. Picture taken September 24, 2017. REUTERS/John Ruwitch ORG XMIT: HFSTPE15
    Wu Qiong, 27, da cidade de Wuhan, acredita na economia chinesa e não teme por seu emprego

    Ela ainda não conseguiu adquirir um imóvel com seu próprio dinheiro, mas recentemente persuadiu sua mãe a investir parte de suas economias em um apartamento em um complexo em construção chamado "Cambridge City". Os edifícios ficam ao lado de uma linha de metrô que está em construção. O plano de Wu e sua mãe é revenderem o apartamento dentro de alguns anos.

    "A valorização dos imóveis faz com que sejam um investimento muito mais rentável que o retorno sobre depósitos bancários por prazo fixo", disse Wu. "É certeza que eles não vão se desvalorizar."

    A segurança de seu emprego é algo que tampouco a preocupa.

    "Não tenho medo nenhum do futuro", ela disse. "Não tenho medo de mudanças."

    E, ela acrescentou, "se algum dia houver uma grande crise econômica e o setor financeiro entrar em recessão, acho que posso virar professora de inglês."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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