• Mundo

    Tuesday, 23-Apr-2024 03:29:24 -03

    'Meninas-bomba' desafiam ordens do Boko Haram e sobrevivem na Nigéria

    DIONNE SEARCEY
    DO "NEW YORK TIMES", EM MAIDUGURI (NIGÉRIA)

    26/10/2017 07h00

    As meninas não queriam matar ninguém. Caminharam em silêncio por algum tempo, sentindo o peso dos explosivos amarrados em torno de suas cinturas e segurando firme os detonadores, tentando pensar em alguma maneira de escapar.

    "Não sei como tirar isso de mim", Hadiza, 16, recorda ter pensado, ao partir para sua missão.

    "O que você vai fazer com a sua?", ela perguntou à menina de 12 anos de idade que caminhava ao lado dela, também vestindo uma bomba.

    "Vou ao campo de golfe e vou me explodir lá", a menina respondeu, desesperançada.

    As coisas estavam acontecendo rápido demais. Depois de ser sequestrada pelo Boko Haram este ano, Hadiza foi interpelada por um dos combatentes da organização terrorista, no campo em que estava prisioneira. Ele queria se "casar" com ela. A menina o rejeitou.

    "Você vai se arrepender disso", disse o combatente.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Hadiza, 16, foi recrutada como mulher-bomba após se recusar a casar com terrorista do Boko Haram
    Hadiza, 16, foi recrutada como mulher-bomba após se recusar a casar com terrorista do Boko Haram

    Poucos dias mais tarde, ela foi levada para ver um líder da milícia. Ele lhe disse que ela iria para o lugar mais feliz que poderia imaginar. Hadiza achou que a enviariam de volta para casa. Mas ele estava falando do paraíso.

    Vieram apanhá-la no meio da noite, ela disse, e amarraram um cinturão de explosivos em torno de sua cintura. Depois ordenaram que ela e a menina de 12 anos fossem sozinhas, e a pé, até um campo de refugiados nigerianos que fugiram da violência que a organização extremista vem infligindo à região.

    "Eu sabia que ia morrer e que ia matar outras pessoas também", recordou Hadiza. "Não queria que isso acontecesse".

    O nordeste da Nigéria, que vive seu oitavo ano de guerra com o Boko Haram, é uma região que tem medo de suas próprias meninas.

    Até agora este ano, os terroristas executaram mais que o dobro dos atentados que realizaram em 2016, e os ataques não param.

    De acordo com a Unicef, mais de 110 crianças foram usadas para executar atentados suicidas desde o começo do ano —e pelo menos 76 delas eram meninas. A maioria das envolvidas tinha menos de 15 anos de idade. Uma menina se explodiu enquanto carregava um bebê nas costas.

    Houve atentados contra mesquitas, mercados, postos de controle, campos de refugiados e qualquer outro lugar onde pessoas se congreguem, aqui no centro da batalha contra o grupo terrorista.

    Um campo de polo foi alvo de múltiplos atentados. Trincheiras foram cavadas em torno da Universidade de Maiduguri, alvo frequente de atentados, na esperança de reduzir o número de ataques.

    ALERTA

    O uso de crianças se tornou tão assustadoramente comum que as autoridades em áreas nas quais o Boko Haram opera estão alertando a população para o perigo de atentados executados por meninas.

    Um grande outdoor em Maiduguri —cidade nigeriana em que nasceu a organização— pede pelo fim do terrorismo, e traz a imagem de uma menina com uma expressão feroz no rosto, olhos arregalados, explosivos amarrados ao peito, e agarrando firmemente o detonador.

    As autoridades estão apelando publicamente aos pais que não entreguem seus filhos à milícia para que sejam usados em atentados, e as Forças Armadas estão veiculando um vídeo no qual informam aos participantes de atentados que eles podem se render. A protagonista do vídeo é uma menina de 11 anos.

    "Não permita que eles coloquem explosivos em você", diz a menina no vídeo. "É perigoso."

    A mensagem de serviço público retrata as crianças envolvidas nos atentados e suas famílias como colaboradores do Boko Haram, simpatizantes da campanha de terrorismo da facção, ou vítimas de drogas e lavagem cerebral para que aceitem executar os ataques.

    Mas o "New York Times" localizou e entrevistou 18 meninas que foram enviadas em missões suicidas na Nigéria. Seus relatos derrubam a narrativa que as autoridades costumam perpetuar.

    Longe de terem participado voluntariamente, as meninas descreveram ter sido sequestradas, e contaram que membros de suas famílias foram mortos nas operações em que foram capturadas.

    Todas as meninas relataram que militantes armados ataram cinturões suicidas às suas cinturas usando a força, ou colocaram bombas em suas mãos e as empurraram na direção de multidões de pessoas.

    A maioria delas foi informada de que sua religião as compelia a executar as ordens. E todas elas resistiram, impedindo os ataques, ao implorar a cidadãos comuns ou às autoridades que as ajudassem.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Aisha, 15, foi apanhada pelo Boko Haram após fugir com o pai e o irmão, que virou menino-bomba
    Aisha, 15, foi apanhada pelo Boko Haram após fugir com o pai e o irmão, que virou menino-bomba

    IRMÃOS-BOMBA

    Aisha, 15, fugiu de sua casa em companhia do pai e do irmão de dez anos, mas o Boko Haram os apanhou. Em seguida, combatentes mataram o pai dela e, logo depois, ela os viu amarrando uma bomba à cintura de seu irmão, e colocando-o, sentado entre dois militantes, sobre uma moto que partiu em alta velocidade.

    Os dois militantes retornaram sem o menino, celebrando. O irmãozinho dela havia explodido soldados em um quartel, alguém lhe disse. Os militantes ordenaram que ela não chorasse pelo menino. "Ele matou pessoas más", disseram.

    Mais tarde, amarraram uma bomba à cintura dela e a instruíram a caminhar na direção de um quartel.

    Como algumas das demais meninas, Aisha diz que considerou a hipótese de caminhar para um lugar isolado e apertar o detonador, longe de outras pessoas, para evitar feri-las. Mas em lugar disso ela abordou alguns soldados e os convenceu a remover os explosivos de seu corpo, delicadamente.

    "Eu disse a eles que meu irmão havia sido mandado para lá e que tinha matado alguns deles", ela disse. "Meu irmão não era sensato a ponto de saber que não tinha obrigação de obedecer. Ela era um menino pequeno".

    Outras meninas, cujos nomes completos não serão revelados por preocupação com sua segurança, contaram histórias semelhantes de terror, e de resistência às ordens.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Fatima, 17, foi orientada a se jogar no chão na frente dos soldados, mas ao chegar perto pediu socorro
    Fatima, 17, foi orientada a se jogar no chão na frente dos soldados, mas ao chegar perto pediu socorro

    RENDIÇÃO

    Os militantes mandaram que Fatima A., 17, se jogasse no chão ao se aproximar dos soldados, mas ao chegar perto deles ela levantou as mãos e gritou o mais alto que pôde: "Vejam! Sou inocente! Não sou parte deles! Fui forçada a fazer isso!"

    Amina, 16, foi instruída a explodir os fiéis que estavam orando em uma mesquita. Mas ao se aproximar deles, ela viu seu tio, que a ajudou a escapar em segurança.

    Os combatentes disseram a Hajja, 17, que esperasse até encontrar uma grande multidão de civis. Mas se ela visse um ou dois soldados antes disso, devia apertar o detonador, foi o que ordenaram. No entanto, quando encontrou um soldado, ela lhe mostrou a bomba. O soldado a conduziu a um campo aberto, onde gentilmente removeu os explosivos.

    Fati, 14, foi enviada como parte de um grupo que incluía nove outras meninas, cada qual instruída a atingir um alvo separado. Ela foi direto a uma delegacia de polícia para pedir ajuda, segurando a sacola que continha a bomba que os militantes lhe deram. Os policiais gritaram e saíram correndo, ela contou. Mas por fim retornaram, instruindo-a a deixar a sacola em um descampado vizinho e se afastar dela.

    Maryam, 16, disse que foi ajudada por um velho que estava repousando à sombra de uma árvore. Os dois se posicionaram a uma distância segura um do outro e conversaram aos gritos; ele queria ter certeza de que ela não pretendia apertar o botão e explodi-lo.

    Para essas e outras meninas, chegar perto das autoridades para pedir ajuda foi imensamente perigoso. Os soldados e civis dos postos de controle estão em alerta geral contra pessoas suspeitas —e isso em geral significa qualquer mulher ou menina, a maioria das quais usam longos véus e roupas capazes de encobrir um cinturão de explosivos.

    Nos três últimos meses de 2016, segundo a ONU, 13 meninas de entre 11 e 17 anos foram mortas por engano ao serem consideradas como terroristas suicidas.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Maimuma, 14, disse que se recusou a ser mais uma entre centenas de meninas-bomba do Boko Haram
    Maimuma, 14, disse que se recusou a ser mais uma entre centenas de meninas-bomba do Boko Haram

    RECUSA DE CASAMENTO

    A maioria das meninas entrevistadas, como Hadiza, disse que sua seleção para executar atentados aconteceu depois que recusaram "casamento" com um combatente. Há anos os combatentes do Boko Haram forçam as meninas a "se casarem" com eles, um eufemismo para estupro, e às vezes as engravidam.

    Muitas das meninas ecoaram o relato de Hadiza, dizendo que os militantes lhes haviam prometido o paraíso, caso apertassem o botão do detonador. As meninas, quase todas envolvidas em atentados planejados nos últimos 12 meses, foram levadas de carro até locais desertos, dos quais combatentes armados ficavam observando a distância sua caminhada em direção aos alvos.

    Maimuma, 14, que os militantes instruíram a explodir sua bomba em meio a um grupo de soldados, disse que não queria se tornar mais uma das dezenas de meninas que se explodiram, e mataram inocentes no processo.

    Ela sabe que muita gente a vê como colaboradora do Boko Haram. Mas argumenta que ela e outras meninas em situação semelhante deveriam receber elogios por terem desafiado os militantes.

    "Algumas pessoas me veem como parte do Boko Haram", ela disse. "Outras me veem como heroína".

    CONTRAOFENSIVA

    Nos últimos meses, os avanços da Nigéria contra o Boko Haram —com recaptura de territórios e a conquista de bastiões dos extremistas— começaram a perder o ímpeto. Os combatentes da facção estão realizando não só mais atentados suicidas mas mais ataques táticos contra as forças de segurança.

    Em junho, atacaram um comboio de soldados e policiais , e sequestraram diversas mulheres da polícia. No mês seguinte, dispararam contra um comboio de trabalhadores petroleiros que tinha escolta militar, matando mais de 25 pessoas e sequestrando geólogos da Universidade de Maiduguri.

    Agentes dos serviços de inteligência ocidentais dizem que os militantes estão recapturando territórios que as forças nigerianas haviam recuperado. Os Estados Unidos estão preparando a venda de US$ 500 milhões em aviões de ataque e outros equipamentos para a Nigéria, a fim de ajudar na luta.

    A situação humanitária na região é grave, com quase dois milhões de refugiados espalhados por quatro países, em função da guerra, alguns dos quais vivendo na fome. Maiduguri está lotada de famílias que fugiram de fazendas e comunidades pesqueiras na região rural, e elas não têm meios de subsistência.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Nana, 13, disse que os militantes enrolaram o cinto em sua cintura e deixaram o detonador em sua mão
    Nana, 13, disse que os militantes enrolaram o cinto em sua cintura e deixaram o detonador em sua mão

    Muitas vivem em edificações decaídas ou choupanas recobertas de palha. Nas margens do rio Ngadda, um pequeno grupo de pessoas sobrevive se alimentando de pedaços de couro de vaca descartados pelos curtumes locais e tostados como comida.

    Agora, as organizações assistenciais estão combatendo um surto de milhares de casos de cólera, de acordo com trabalhadores assistenciais que operam na região.

    A sucessão incansável de atentados nos últimos meses, a maioria dos quais em torno de Maiduguri e do outro lado da fronteira com Camarões, lança uma sombra assustadora sobre a vida na região. Só no domingo (22), mais de uma dúzia de pessoas foram mortas em atentados a bomba.

    Nos últimos seis anos, as mulheres responderam pela maioria dos atentados suicidas do Boko Haram no nordeste da Nigéria, Camarões, Níger e Chade, de acordo com um relatório divulgado em agosto pelo Centro de Combate ao Terrorismo de West Point.

    E à medida que o Boko Haram recorre cada vez mais a crianças para executar seus ataques suicidas, a probabilidade de que use meninas para os ataques é quatro vezes superior à de que use meninos, de acordo com o relatório.

    "Há uma inquietação —as pessoas costumam mencionar que têm medo de meninas e mulheres, em postos de controle, áreas movimentadas, nos campos de refugiados e na universidade", disse Harriet Dwyer, porta-voz da Unicef em Maiduguri. "Ao vermos esses incidentes acontecerem com mais frequência, o estigma e a suspeita se tornam muito difíceis de reconciliar".

    TRAUMA

    Os atentados têm um custo psicológico pesado em Maiduguri, cidade que sob algumas estimativas viu sua população dobrar com o influxo de famílias fugitivas que deixaram a área rural por medo do Boko Haram.

    Os atentados a campos de refugiados e mercados de forte movimento são repetidos. Os residentes suspeitam que a universidade seja alvo frequente por conta do ódio do Boko Haram à educação ocidental —um dos princípios fundadores do movimento. Pelo menos oito ataques contra a universidade foram realizados do começo do ano para cá.

    Os ataques muitas vezes acontecem cedo pela manhã, o que leva muitos moradores a começarem seus dias mais tarde ou a evitarem totalmente algumas áreas da cidade.

    Preocupadas com a possibilidade de serem alvo de tiros quando se aproximam dos postos de controle, muitas mulheres e meninas se agacham antes de chegar a eles, para convencer os soldados e milicianos civis de que não estão usando coletes ou cinturões explosivos.

    Para evitar suspeitas, algumas mulheres dizem que cuidam de tomar banho e de lavar suas roupas com frequência. A maioria das meninas usadas para atentados vivem em condições precárias na região rural, e parecem sujas e "maltrapilhas", uma palavra que muitos moradores da cidade empregam para descrevê-las.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Amina, 16, foi instruída a explodir os fiéis que oravam em uma mesquita, mas desistiu ao ver o tio
    Amina, 16, foi instruída a explodir os fiéis que oravam em uma mesquita, mas desistiu ao ver o tio

    Uma moradora de Maiduguri, Fatima Seidu, 45, disse que sempre que vê meninas na rua, atravessa para o outro lado a fim de evitá-las.

    "Tenho medo das bombas, e medo de que alguém me veja e fique com medo de mim", disse Seidu, cujo marido foi morto pelo Boko Haram. "Mas com sorte as pessoas talvez reparem na minha idade e também que estou usando roupas limpas".

    Hassan, membro de uma milícia civil da cidade, disse que quando mulheres e meninas se aproximam de seu posto de controle, ele as instrui a largar o que quer que estejam carregando. Há alguns meses, uma mulher não se deteve quando ele gritou instruções para ela. Ele a viu erguer o detonador e apertar o botão, explodindo a bomba.

    "Tenho medo, quando vejo mulheres", ele disse.

    Fatima G., 19, a mulher de Hassan, disse ter sido sequestrada pelo Boko Haram, que a manteve prisioneira por seis meses e a forçou a se casar com um combatente. Um dia, os militantes reuniram um grupo de mulheres reféns e as instruíram a marchar diante deles, enquanto lhes gritavam ordens. Parecia ser alguma forma de teste de obediência, ela disse.

    Não muito depois, um combatente a colocou na garupa de uma moto e partiu em alta velocidade para Maiduguri. No caminho, ele a informou de que ela realizaria uma missão suicida. Mas os dois esbarraram em um tiroteio entre soldados e combatentes da facção, e, na confusão, Fatima G conseguiu escapar.

    Agora, em sua vida cotidiana em Maiduguri, ela tem medo de mulheres. "Não é como se as pessoas usassem identificação", diz. "Não há como saber quem é quem".

    RECOMEÇO

    As meninas enviadas em missões suicidas e que escaparam agora tentam se enquadrar à vida dos adolescentes de Maiduguri. A maioria delas pinta as unhas, usa piercings no nariz e decora os pés com tatuagens de hena. Os longos véus que usam cobrem vestidos estampados, e cabelos enfeitados por tranças.

    Quase toda sua educação foi interrompida pela guerra. Estão ávidas por voltar à escola. Sonham se tornar professoras, médicas ou advogadas.

    Valorizam a religião e dizem que a insistência do Boko Haram em que o islamismo aprova os atentados suicidas não as convence. Algumas acreditam que Deus as teria punido caso tivessem detonado acidentalmente as bombas que carregavam.

    Na maioria dos casos, as meninas não contaram a qualquer pessoa sobre suas missões, exceto o pessoal das forças de segurança que as ajudou. Algumas delas nem mesmo contaram aos seus pais sobre as missões, com medo de rejeição. As que o fizeram foram instruídas a parar de contar suas histórias, por medo de que sejam rotuladas como simpatizantes do Boko Haram.

    Os militantes às vezes tentam iludir as meninas, na esperança de convencê-las de que escaparão ilesas dos atentados. Maimuma foi informada de que, no momento em que apertasse o botão do detonador, a bomba pularia de seu corpo e pousaria em meio à multidão. Ela não acreditou, especialmente porque os combatentes prepararam seu cabelo com um penteado usado tradicionalmente em funerais.

    "Eu sabia muito bem que a bomba me mataria", ela disse.

    Adam Ferguson/The New York Times.
    Maryam, 16, foi ajudada por um homem. Aos gritos, ela tentava dizer que não iria atacá-lo
    Maryam, 16, foi ajudada por um homem. Aos gritos, ela tentava dizer que não iria atacá-lo

    Mas não havia muito que pudesse fazer. Os combatentes amarraram um cinturão explosivo à sua cintura e a deixaram em uma rua, com a instrução de caminhar por ela até encontrar soldados. Ela foi instruída a agir como mulher, a parecer atraente, a esperar até que os soldados estivessem bem perto. E só aí apertar o botão.

    Ela tentou manter a compostura até que saiu da linha de visão dos combatentes. Os explosivos eram pesados, e o detonador —um aparelho parecido com um radinho— parecia quente em sua cintura, ela recordou. Ela queria tirar o cinturão, mas estava apavorada, imaginando que tentar fazê-lo poderia causar uma detonação.

    Começou a chorar. Alguns transeuntes a viram chorando na rua e se aproximaram. Ela disse que o Boko Haram havia amarrado uma bomba sob seu vestido. Eles saíram correndo. Outras pessoas se aproximaram, mas também fugiram quando ela os informou de seu problema.

    "As pessoas chegavam, uma a uma", contou Maimuma, quase rindo diante do macabro absurdo da cena. "Eu tentava correr atrás delas, mas elas me diziam que, se eu me aproximasse, me matariam".

    Depois de alguns minutos, um grupo de soldados se aproximou e a instruiu a manter a distância e levantar as mãos. Um soldado caminhou até ela e cautelosamente removeu os explosivos. A operação pareceu demorar a vida toda. Os braços dela, erguidos, doíam de cansaço. Por fim, o cinturão saiu.

    Maimuma inicialmente escondeu o acontecido de sua família e amigos, e tinha medo de terminar presa se as pessoas descobrissem. "Depois pensei comigo mesma que seria absurdo que me prendessem por ser obrigada a carregar uma bomba", ela disse. "Decidi que contaria a todo mundo".

    Quando ouve falar de meninas que detonaram as bombas que carregavam, ela se sente frustrada. Para ela, não há dúvida de que as garotas não sentiam lealdade alguma para com o Boko Haram. Eram só meninas ingênuas, apavoradas, e tolas por não perceberem que era possível se render ao pessoal de segurança, ela disse.

    Mas isso também é um risco. Quando Hadiza e a menina de 12 anos se aproximaram de um posto de controle, ela ficou com medo da reação dos soldados.

    Hadiza disse à menina mais nova que esperasse ao lado de uma árvore, um pouco mais longe, enquanto ela explicava o problema das duas aos soldados. Ela sabia que a menina despertaria suspeitas porque era pequena demais para estar caminhando do campo para a cidade sem a companhia dos pais.

    "Era uma menina muito pequena", disse Hadiza.

    Os soldados acreditaram nelas e as ajudaram a tirar os cinturões explosivos, antes de separá-las para interrogatório. Hadiza foi por fim levada a um campo de refugiados. Ela ainda não sabe onde está sua mãe, ou se ela está viva. Mas o pai apareceu no campo algumas semanas depois dela. Quando lhe contou o que havia acontecido, ele chorou, horrorizado e aliviado a um só tempo.

    "Ele jamais me rejeitaria", disse Hadiza. "Ficou feliz demais por eu ter sobrevivido".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024