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    OPINIÃO

    Desinformação nas redes sociais causa problemas pelo mundo

    KEVIN ROOSE
    DO "NEW YORK TIMES"

    30/10/2017 14h36

    Tobias Schwarz/AFP Photo
    Logotipo do Facebook em evento da empresa em Berlim, na Alemanha
    Logotipo do Facebook em evento da empresa em Berlim, na Alemanha

    A sede do Facebook, em Menlo Park, Califórnia, vive em clima de crise há meses.

    A empresa está se esforçando furiosamente para conter os danos causados por seu papel na campanha presidencial norte-americana do ano passado, e montou uma grande campanha de defesa antes das audiências que o Congresso dos Estados Unidos conduzirá esta semana sobre interferência na eleição de 2016, contratando três consultorias de comunicação, publicando anúncios de página inteira em jornais, e mobilizando seus principais executivos, entre os quais Mark Zuckerberg e Sheryl Sandberg, para rebater as acusações de que não agiu para impedir que a Rússia manipulasse o resultado da eleição.

    Nenhum dos problemas que o Facebook enfrentou anteriormente em seus 13 anos de história gerou resposta tão intensa. Mas embora o foco na Rússia seja compreensível, o Facebook vem sendo bem menos franco sobre usos indevidos de seus serviços em outras partes do mundo, onde pode haver muito mais que uma eleição em jogo.

    Na semana passada, meus colegas do "New York Times" mostraram a limpeza étnica que os muçulmanos rohingya estão sofrendo em Mianmar, onde são alvos de violência brutal e de deslocamentos maciços de população.

    A violência contra os rohingya vem sendo alimentada em parte por uma campanha de desinformação e propaganda hostil conduzida no Facebook, que é usado como fonte primária de informação por muita gente naquele país. Fotos adulteradas e rumores não substanciados ganharam circulação viral no Facebook, entre os quais muitos originados em contas oficiais do governo e das forças armadas.

    A guerra de informação em Mianmar ilumina um problema crescente para o Facebook. A empresa teve sucesso ao conectar o mundo por meio de uma constelação de ferramentas de informação e comunicação em tempo real, mas ao mesmo tempo se isentou de responsabilidade pelas consequências de seu uso.

    "Em muitos desses países, o Facebook representa na prática a praça pública", disse Cynthia Wong, pesquisadora sênior de internet da organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch. "Por causa disso, há questões fortes sobre a necessidade de que o Facebook se responsabilize mais pelos danos para os quais sua plataforma contribuiu."

    Em Mianmar, a ascensão do sentimento de hostilidade aos rohingya coincidiu com uma forte alta no uso de mídia social.

    Em 2016, a empresa formou uma parceria com a MTP, a estatal de telecomunicações de Mianmar, para oferecer aos assinantes dos serviços da companhia acesso ao serviço Free Basics, um pacote de acesso à internet no qual o uso de um elenco limitado de serviços de internet, entre os quais o Facebook, não conta como parte do limite de dados do celular do assinante.

    Como resultado, o número de usuários do Facebook em Mianmar disparou de dois milhões em 2014 a mais de 30 milhões hoje.

    "Trabalhamos com afinco para educar as pessoas sobre nossos serviços, e destacamos recursos que as ajudam a proteger suas contas e promovem a alfabetização digital", disse Debbie Frost, porta-voz do Facebook.

    "Para sermos mais efetivos nesses esforços, buscamos a colaboração da sociedade civil, de parceiros de segurança e de governos —uma abordagem que consideramos como especialmente importante e efetiva em países nos quais as pessoas estão começando a chegar à internet rapidamente, e a experimentam pela primeira vez via celular."

    Na Índia, onde o uso da internet também explodiu nos últimos anos, o WhatsApp, popular app de mensagens controlado pelo Facebook, vive inundado de boatos, trapaças e artigos falsos.

    Em maio, a região de Jharkand, no leste do país, foi desestabilizada por conta de uma mensagem falsa que ganhou circulação viral no WhatsApp e afirmava falsamente que as gangues da área estavam sequestrando crianças.

    A mensagem gerou pânico generalizado e conduziu a uma série de linchamentos retaliatórios que causaram a morte de pelo menos sete pessoas por espancamento.

    Um cineasta local, Vinay Purty, disse ao jornal "Hindustan Times" que muitos locais simplesmente acreditaram que os falsos sequestros eram reais porque eles foram informados via WhatsApp. "Tudo que é compartilhado via celular é encarado como verdade", disse Purty.

    O aplicativo afirmou em comunicado que "o WhatsApp tornou as comunicações mais baratas, fáceis e confiáveis para milhões de indianos —com todos os benefícios que isso traz. Mesmo assim, sabemos que algumas pessoas, lastimavelmente, usam o WhatsApp para intimidar os outros e espalhar desinformação. Por isso encorajamos as pessoas a reportar mensagens problemáticas ao WhatsApp para que possamos tomar providências".

    O Facebook não é diretamente responsável por conflitos violentos, é claro, e a desinformação viral não é problema só dos serviços da empresa. Antes da mídia social, já havia trapaças e lendas urbanas que circulavam via e-mail, de pessoa a pessoa.

    Mas a velocidade do crescimento do Facebook nos países em desenvolvimento fez dele uma força especialmente potente entre os usuários iniciantes de internet, que talvez sejam menos céticos do que deveriam quanto ao que veem online.

    A empresa fez diversos esforços para educar os usuários quanto aos perigos da desinformação.

    Na Índia e Malásia, veiculou anúncios em jornais com dicas sobre como detectar notícias falsas.

    Em Mianmar, formou parcerias com organizações locais a fim de distribuir cópias impressas de suas normas comunitárias e criou material educativo para ensinar aos cidadãos desses países as regras de comportamento correto online.

    Mas esses esforços, por mais bem intencionados que sejam, não impediram a violência, e o Facebook não parece ter feito deles uma de suas prioridades.

    A empresa não tem escritório em Mianmar e nem Zuckerberg nem Sandberg fizeram declarações públicas sobre a crise dos rohingya.

    O Facebook vem argumentando que os benefícios de oferecer acesso à internet para os usuários internacionais serão superiores aos custos.

    Adam Mosseri, vice-presidente do Facebook que supervisiona o feed de notícias, disse em entrevista neste mês que "não creio que nós, a raça humana, venhamos a nos arrepender da internet".

    Zuckerberg mesmo havia afirmado sentimento semelhante em um manifesto publicado em 2013, intitulado "conectividade é um dos direitos humanos?", no qual ele afirmava que colocar a população do planeta online seria "umas das coisas mais importantes que faremos em nossas vidas".

    São questões incrivelmente complexas, e pode ser impossível para o Facebook —que é uma empresa de tecnologia e não uma força mundial de defesa da paz, convém lembrar— resolvê-las do dia para a noite. Mas, como provou a resposta da empresa à crise com relação à Rússia, ela é capaz de agir com rapidez e força quando sente que seus interesses estão ameaçados.

    As guerras da informação em mercados emergentes podem não representar ameaça tão grande aos negócios do Facebook quanto os legisladores zangados de Washington. Mas pessoas estão morrendo e comunidades estão se dilacerando com as ferramentas que o Facebook criou.

    Isso deveria ser visto como uma emergência ainda maior, em Menlo Park.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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