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    Declaração britânica que levou à criação de Israel completa 100 anos

    DANIELA KRESCH
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TEL AVIV

    02/11/2017 07h00

    Há exatos cem anos, a Declaração Balfour, documento inglês de 67 palavras, dava o pontapé inicial para uma mudança geopolítica que ainda sacode o Oriente Médio: a criação do Estado de Israel.

    Comemorado pelos israelenses, o documento é abominado pelos palestinos, que fizeram manifestações em Israel, nos territórios palestinos e em Londres contra o jubileu da missiva, firmada em 2 de novembro de 1917.

    GPO/AFP
    Foto do secretário de Exteriores britânico Arthur Balfour, signatário da declaração sobre o Estado judaico
    Foto do secretário de Exteriores britânico Arthur Balfour, signatário da declaração sobre o Estado judaico

    No texto, o secretário do Exterior, Arthur James Balfour, escreveu que o império britânico simpatizava com a ideia da criação de um Estado judeu no então território da Palestina —à época parte do Império Turco-Otomano.

    O destinatário era Lionel Walter Rothschild, o Barão de Rotschild, líder da comunidade judaica inglesa. O texto diz:

    "O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país."

    A declaração foi o primeiro documento de peso a apoiar o movimento sionista, que defendia a noção de que os judeus eram um povo sem terra própria que, diante do antissemitismo na Europa, mereciam ter seu "lar nacional".

    A maior vertente do sionismo —que se consolidou como a vencedora— defendia que o local deveria ser a terra bíblica ancestral dos judeus, de onde foram expulsos em 70 d.C. por Roma.

    Quando, em 1920, como resultado do Acordo Sykes-Picot (que fatiou o Oriente Médio entre britânicos e franceses após a Primeira Guerra Mundial), o Reino Unido passou a controlar a Palestina, a Declaração Balfour se tornou política oficial. Pelo menos temporariamente (os britânicos mudariam de ideia algumas vezes).

    "Sem a Declaração Balfour, não teríamos nada. Foi o nascimento da Terra dos Judeus", diz Alex Deutsch, presidente da Associação Israelense-Britânica e da Comunidade das Nações, que comemora anualmente o 2 de novembro desde 1954. "O relacionamento entre os judeus e ingleses não foi sempre pacífico, mas agradecemos muito a eles".

    Diversos eventos comemorando o centenário da missiva devem acontecer, em novembro, tanto em Israel quanto na Inglaterra.

    O Knesset (o Parlamento em Jerusalém) irá realizar uma sessão solene. E o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu viajará a Londres para participar de um jantar com a primeira-ministra Theresa May.

    CRÍTICAS

    Mas Netanyahu e May enfrentam uma intensa campanha de ONGs e líderes palestinos, que exigem que o Reino Unido peça desculpas abertamente ao povo palestino pelo documento.

    Na Assembleia-Geral da ONU, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o chamou de "injustiça histórica" e criticou as comemorações: "O pior é que, em novembro, querem celebrar o centésimo aniversário desse crime contra nosso povo."

    Segundo a liderança palestina, a Declaração Balfour faria parte da "política colonial do Reino Unido entre 1917 e 1948", ignorando os mais de 600 mil árabes que moravam na região, em 1917 (90% da população, na época), indicando que só a minoria judaica teria direitos políticos enquanto a maioria não judaica contaria apenas com direitos civis e religiosos.

    "Vamos exigir descupas do governo britânico e do povo britânico", diz Nabil Shaath, assessor de Abbas para comunicação externa.

    "Nem Europa nem a Inglaterra queriam lidar com a presença de judeus na época. Eles foram que decidiram enviá-los aos fornos crematórios e eles foram os que decidiram amontoar judeus em navios e enviá-los à Palestina às custas de outro povo", continuou Shaath.

    Mussa Qawasma/Reuters
    Palestinos usam sapatos para bater em boneco de Arthur Balfour em protesto na Cisjordânia
    Palestinos usam sapatos para bater em boneco de Arthur Balfour em protesto na Cisjordânia

    Na verdade, um terço da população da Palestina já era composta de judeus no fim da década de 30, antes de os nazistas acionarem os primeiros campos de extermínios.

    A imigração judaica —motivada pelo movimento sionista— para a região era uma realidade desde o fim do século 19 e não apenas de comunidades judaicas da Europa.

    Londres já disse que não pretende se desculpar: "Temos orgulho de nosso papel na criação do Estado de Israel. O nosso objetivo agora é incentivar os movimentos em direção à paz", afirmou a Chancelaria britânica, em nota de abril deste ano.

    Os historiadores se digladiam sobre os motivos que levaram Balfour a redigir sua declaração (estratégia geopolítica ou apenas simpatia pelo sionismo?), mas ninguém duvida que ele empurrou a primeira peça do dominó que levou as Nações Unidas a aprovarem, em 1947, o Plano de Partilha da Palestina —que previa um Estado para judeus e outro para árabes na região.

    A sessão da Partilha, que completa 70 anos no próximo 29 de novembro, foi presidida pelo embaixador brasileiro Osvaldo Aranha, que trabalhou nos bastidores para aprová-la.

    Mas, apesar a medida foi rejeitada por países árabes, que declararam guerra ao Estado de Israel criado em 14 de maio de 1948. Com sucessivas vitórias militares, os israelenses passaram a controlar a maior parte da região.

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