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    Mulheres que acusaram Trump se sentem esquecidas, mas processo pode virar o jogo

    MEGAN TWOHEY
    DO "NEW YORK TIMES"

    02/11/2017 17h00

    Valerie Macon - 1.jan.2017/AFP
    Summer Zervos anuncia processo contra o então presidente eleito Donald Trump, em Los Angeles
    Summer Zervos anuncia processo contra o então presidente eleito Donald Trump, em Los Angeles

    Enquanto as acusações de erros de conduta sexual feitas nas últimas semanas contra homens poderosos atraíram amplo apoio público e uma reação pronta, as mulheres que vieram a público durante a campanha presidencial com acusações contra Donald Trump dizem que passaram o último ano sentindo-se esquecidas e ignoradas.

    "Com Trump, foi tudo varrido para baixo do tapete", comentou Temple Taggart, que alega que Trump a beijou na boca quando ela participou do concurso de Miss Estados Unidos, comandado por ele, em 1997.

    Mas essa situação pode mudar se um processo por difamação movido por uma mulher que acusou Trump de investidas sexuais indesejadas for autorizado a seguir adiante na Suprema Corte do Estado de Nova York, uma decisão legal que pode ser tomada antes do fim do ano.

    Os advogados envolvidos na ação pediram uma intimação exigindo todos os documentos de campanha de Trump ligados às mulheres que o acusaram. Se a ação seguir adiante, as acusadoras podem ser chamadas a depor, enfrentando Trump novamente.

    A querelante na ação - Summer Zervos, ex-participante do programa "The Apprentice", que Trump comandava –está sendo representada pela firma de advocacia de Gloria Allred, que já ajudou a mover ações contra Bill Cosby e outros réus de alto perfil.

    Zervos e Allred alegam que Trump difamou Zervos durante a campanha quando repetidas vezes tachou os relatos de Zervos e outras mulheres de "mentiras" e "bobagem" e disse que as mulheres ou estavam sendo convencidas a acusá-lo pela campanha de sua adversária, Hillary Clinton, ou tinham sido motivadas pelo desejo de conseguir "dez minutos de fama".

    Trump quer um juiz rejeite a ação ou a adie, alegando que um presidente no exercício de suas funções não pode ser processado por um tribunal estadual e que suas declarações a respeito das acusações equivalem a discurso político. Esses argumentos foram reafirmados por seus advogados na terça-feira.

    Mas advogados de Zervos apontam para a decisão da Suprema Corte americana que permitiu a Paula Jones mover uma ação por assédio sexual contra o presidente Bill Clinton quando ele estava no poder. E vários professores de direito registraram pareceres apoiando a base legal da ação.

    Entre as pessoas que disseram que vão abraçar a oportunidade de depor no processo está Jessica Leeds, que acusou Trump de agarrar seus seios e tentar colocar a mão debaixo da saia dela durante uma viagem aérea algumas décadas atrás. "Eu faria isso. Não tenho medo", disse Leeds.

    Quando ela o denunciou, no ano passado, Trump negou sua alegação e insinuou que Leeds não seria bonita o suficiente para que aquilo pudesse ter acontecido. "Acredite em mim", ele disse. "Ela não seria minha primeira escolha."

    Em uma coletiva de imprensa no mês passado, quando foi perguntado sobre a intimação gerada pelo processo, Trump disse que era "notícia totalmente falsa".

    "É uma coisa inventada, é uma vergonha o que acontece", ele disse. "Mas isso acontece no mundo da política."

    Durante a campanha presidencial, mais de dez mulheres fizeram alegações sobre Trump que variaram de carícias indesejadas a agressão sexual.

    A maioria das mulheres se manifestou após a divulgação de uma gravação do programa "Access Hollywood" que captou Trump se gabando de beijar mulheres e agarrar as partes íntimas delas sem permissão.

    Trump insistiu que nunca se comportou da maneira que descreveu e minimizou seus comentários, dizendo tratar-se de "conversa de vestiário". Quando uma mulher após outra foi a público com as acusações, ele negou todas.

    E quanto Zervos fez sua denúncia, dizendo que Trump a bolinou e beijou contra a vontade dela no escritório dele em Nova York e em um hotel em Los Angeles em 2007, ele disse que nunca a encontrou "em um hotel e nunca a cumprimentou de maneira inapropriada".

    As acusadoras, de idades diferentes e moradoras de diferentes lugares, não conhecem umas às outras, e os fatos que descreveram datam dos anos 1980. Algumas disseram ter conhecido Trump através do trabalho, enquanto outras disseram que o encontraram por acaso.

    Taggart e várias outras disseram que passaram o último ano com raiva, descrença e às vezes medo, vendo Trump chamá-las de mentirosas, ameaçar processá-las e então vencer a eleição presidencial.

    Summer Zervos se negou a dar declarações, mas na ação judicial seus advogados dizem que "intencionalmente, com conhecimento de causa e com intenção agressiva o sr. Trump expôs cada uma dessas mulheres ao opróbrio, ignorando conscientemente o impacto que o fato de chamá-las reiteradas vezes de mentirosas teria sobre a vida e reputação delas".

    A ação, que será julgada pela juíza Jennifer Schecter, alega dano emocional e danos materiais no valor aproximado de US$ 3 mil (cerca de 9,8 mil). Mas Gloria Allred já disse que a finalidade da ação não é financeira, e sim expor a verdade.

    Especialistas legais apontam que Trump pode acabar sendo intimado ou convidado a depor e que, se ele mentisse sob juramento, isso daria motivos para o Congresso abrir um processo de impeachment contra ele, como aconteceu com Bill Clinton.

    Marc Kasowitz, o advogado de Trump no processo, já apresentou diversos argumentos legais para pedir que a ação seja rejeitada. Ele argumentou que a cláusula de supremacia da Constituição impede um tribunal estadual de julgar uma ação movida contra um presidente em exercício e que, mesmo que o tribunal de Nova York discorde, deve adiar o caso durante a Presidência de Trump, para impedir "uma caça particular às bruxas que ameaçaria interferir com as operações do Executivo e do governo federal".

    Kasowitz também argumentou que, pelo fato de declarações alegadamente difamatórias terem sido feitas durante uma campanha política nacional, elas devem ser vistas como "parte da retórica incendiária, hipérbole e opinião que é inequivocamente protegida pela Primeira Emenda".

    No dia depois da posse de Trump, em janeiro, algumas de suas acusadoras participaram de uma marcha em Washington e foram aplaudidas por outras manifestantes, incluindo a atriz Ashley Judd.

    "Ela nos estava dizendo para ficarmos fortes, porque fizemos a coisa certa", falou Taggart.

    Desde então, Ashley Judd ajudou a desencadear uma avalanche de acusações contra o produtor de cinema Harvey Weinstein, levando à sua demissão de sua própria empresa e inspirando outras mulheres a irem a público com queixas contra outros chefes homens de alto perfil.

    Rachel Crooks, que disse que em 2005 Trump a beijou na boca quando ela trabalhava como recepcionista jovem no edifício Trump Tower em Manhattan, se animou ao ver que as alegações recentes promoveram mudanças.

    Mas ela não pôde deixar de enxergar um contraste com o tratamento dado às mulheres que acusaram Trump.

    Ela comentou: "A gente se pergunta: como é que o país pôde se esquecer de nós?".

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