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    Atropelador deixou pistas em papéis e celular sobre vínculos com EI

    RUKMINI CALLIMACHI
    DO "NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK

    03/11/2017 17h27

    St. Charles County Department of Corrections/KMOV via AP
    Sayfullo Saipov deixou papéis com pistas sobre elo com Estado Islâmico
    Sayfullo Saipov deixou papéis com pistas sobre elo com Estado Islâmico

    Mais de dois dias depois de o motorista de uma picape ter esmagado pedestres numa ciclovia no baixo Manhattan, pelo menos quatro pistas vieram à tona sobre a radicalização do suspeito, Sayfullo Saipov.

    Ainda não se sabe se o suspeito estava se comunicado com a milícia terrorista Estado Islâmico ou sendo orientado por ela, mas folhas de papel e dois celulares encontrados no local do ataque ilustram sua familiaridade com a terminologia da organização, também conhecida como EI. Na noite de quinta-feira o EI reivindicou o ataque em seu boletim noticioso semanal.

    EVOCANDO UM SLOGAN

    A metros de onde o caminhão parou na tarde da terça-feira, a polícia recuperou folhas de papel com uma mensagem escrita em árabe e inglês, "eles vão perdurar". Segundo a queixa criminal registrada contra Saipov, a mensagem é uma alusão ao Estado Islâmico.

    A frase é conhecida pelos seguidores da organização. Em todo o território que o EI chegou a dominar no Iraque e na Síria, o grupo deixou uma palavra gravada em árabe: "baqiya". Ela estava estampada em outdoors e pichada sobre construções que o grupo confiscou. Quando se entra em uma casa antes ocupada por um dos emires do grupo terrorista, vê-se a palavra rabiscada nas paredes com caneta hidrográfica.

    Ela é encontrada até mesmo gravada nas mesas que os terroristas usavam, como se tivesse sido deixada por adolescentes gravando suas iniciais numa mesa de piquenique.

    A palavra significa "permanece" ou "duradouro". É o slogan do grupo terrorista e data da época em que o Estado Islâmico ainda era uma entidade filiada à Al Qaeda.

    Um representante sênior da polícia que foi informado sobre a investigação em Nova York disse que a frase aparece mais de uma vez na mensagem escrita. "Há alguma coisa escrita no começo e depois a frase 'o Estado Islâmico vai durar para sempre' ou 'vai perdurar para sempre', escrita três vezes em árabe". Ele pediu anonimato para falar porque a investigação ainda está em andamento.

    SEGUINDO ORIENTAÇÕES

    Em edição publicada em novembro de 2016, a revista do Estado Islâmico, "Rumiyah", forneceu diretrizes detalhadas sobre ataques com caminhões. O grupo incentivou seus seguidores a continuarem dirigindo o veículo pelo maior tempo possível.

    "Para assegurar a maior matança de inimigos de Alá, é imperativo não sair do veículo durante o ataque. A pessoa deve permanecer no veículo, passando com ele por cima dos 'kuffar' [infiéis já colhidos, e continuar a esmagar seus restos até que se torne fisicamente impossível prosseguir com o veículo."

    No ataque em Nova York, o suspeito passou em cima de pessoas na ciclovia até chocar sua picape contra um ônibus escolar.

    De acordo com a revista, o atacante deve sair do veículo correndo e então usar uma arma secundária, como uma faca ou arma de fogo. O atacante em Nova York fez exatamente isso: saiu armado com uma espingarda de chumbinho, se bem que não parece ter ferido ninguém com ela. Mas seu objetivo talvez tenha sido também fazer uso de uma faca. A queixa criminal diz que uma sacola preta contendo três facões foi encontrada perto de Saipov quando ele foi baleado.

    Entre as instruções mais obscuras, porém, consta o modo como o atacante deve informar ao público de sua lealdade ao Estado Islâmico. O artigo da "Rumiyah" diz que o terrorista deve escrever uma mensagem sobre várias folhas de papel e atirar as folhas pela janela do veículo durante o ataque. A revista sugere que seja incluída a frase "O Estado Islâmico vai perdurar", uma versão de seu slogan "baqiya".

    Segundo a queixa criminal contra Saipov, as folhas de papel dele foram encontradas a cerca de três metros do carro, do lado do motorista.

    Vídeo mostra fuga de atropelador

    DIRIGIR-SE AO LÍDER DO EI

    No telefone celular do atacante, recuperado no local do crime, investigadores encontraram várias fotos do autodeclarado califa do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi.

    Os recrutas do EI aprendem que uma declaração de lealdade ao EI precisa ser gravada antes de qualquer ataque. Ela pode ser escrita em papel ou gravada em áudio ou vídeo, mas deve ser dirigida a um indivíduo, no caso, o califa do Estado Islâmico, e não à organização de modo geral.

    A ideia é que esse ritual recria o modo como os muçulmanos primitivos juravam lealdade ao profeta Maomé e, mais tarde, aos califas que o sucederam, segundo Amarnath Amarasingam, pesquisador sênior no Instituto de Diálogos Estratégicos.

    Os recrutas do Estado Islâmico tratam Baghdadi como o Emir al-Mumineem, um título honorífico que significa "comandante dos fiéis", e frequentemente usam a versão longa de seu nome, "Abu Bakr al-Baghdadi al-Husseini al-Qurayshi".

    O último termo, al-Qurayshi, faz referência à tribo do profeta Maomé. Uma das regras para a escolha de um califa é que ele deve ser descendente da linhagem do profeta. Os recrutas que utilizam essa terminologia reconhecem a validade dessa história.

    Esses termos podem ser ouvidos no início do juramento de lealdade de Anis Amri, divulgado depois de o imigrante tunisiano ter usado um caminhão para atropelar pessoas que faziam compras numa feira de Natal em Berlim em dezembro do ano passado, fazendo 12 mortos.

    Embora Saipov tivesse fotos de Baghdadi em seu telefone e tenha dito a investigadores que começou a planejar seu ataque depois de ouvir gravações em áudio do líder, disseram autoridades, ele não parece ter feito um juramento formal de lealdade. Esse fato pode indicar alguém que se radicalizou sozinho e não foi instruído online por recrutadores do EI, ou pelo menos não de modo extenso.

    PROPAGANDA TRANSMITIDA POR CANAIS FECHADOS

    Ao mesmo, o que foi encontrado no telefone do atacante sugere que ele pode ter tido acesso às salas de bate-papo secretas do Estado Islâmico no aplicativo Telegram. É nessas salas, conhecidas como "canais", que os seguidores do EI se reúnem, postam reivindicações de ataques e compartilham vídeos, incluindo vídeos de execuções.

    Com muitas ações judiciais movidas contra empresas de mídia social por familiares de vítimas de ataques recentes do EI, os vídeos do grupo frequentemente são tirados do ar horas depois de serem postados no YouTube, Twitter ou Facebook. Cada vez mais o EI vem recorrendo a canais fechados para compartilhar informações.

    Entre os vídeos que os investigadores disseram ter encontrado no telefone de Saipov está um dos clipes mais perturbadores da organização, mostrando execuções grotescas de prisioneiros forçados a usar macacões cor-de-laranja, imitando os uniformes dos detentos na prisão americana em Guantánamo.

    O fato de o suspeito ter esses vídeos, além de milhares de imagens de propaganda do Estado Islâmico, sugere que ele pode ter tido acesso aos canais do Telegram, do EI.

    Esses canais incluem tutoriais online que ensinam como lançar ataques. Por exemplo, o canal Leões Solitários costuma postar demonstrações passo a passo mostrando como produzir triperóxido de triacetona, ou TATP, o composto explosivo utilizado em quase todos os ataques do Estado Islâmico no Ocidente. E, o que é mais importante, esses canais são os lugares onde olheiros do EI identificam potenciais novos atacantes.

    Vários ataques nos últimos três anos foram lançados por recrutas que entraram em contato com agentes do Estado Islâmico no aplicativo Telegram e mais tarde migraram para bate-papos individuais encriptados.

    Como qualquer outro aplicativo, o Telegram pode ser deletado de um telefone. A queixa criminal não informa se os investigadores encontraram o aplicativo nos dois celulares que o suspeito deixou no local do ataque ou se ele apagou o rastro digital que levaria os investigadores ao EI.

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