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    Governo Trump

    Com epidemia de opiáceos nos EUA, sites chineses vendem droga ao país

    SUI LEE WEE
    JAVIER C. HERNÁNDEZ
    DO "NEW YORK TIMES"

    09/11/2017 12h12

    O presidente Donald Trump quer que o presidente da China, Xi Jinping, "tome uma atitude" contra a epidemia de opiáceos nos Estados Unidos, pela qual ele atribui a culpa à China. Não será fácil.

    Comprar opiáceos da China, apesar das proibições legais, continua a ser muito fácil: basta ter o dinheiro e um endereço para entrega pelos correios. Há um verdadeiro bazar de drogas prosperando na internet chinesa, e oferecendo todo tipo de substâncias a compradores de todo o mundo.

    No Weiku.com, um site sediado em Hangzhou, cidade do leste da China, cerca de 100 empresas chinesas afirmam vender fentanyl, um poderoso opiáceo sintético. Os comerciantes do Mfrbee.com, um site de Pequim, vendem nuggets de frango, camisas de times de basquete e carfentanil, um tranquilizante para elefantes que é 10 mil vezes mais poderoso que a morfina. Uma companhia química sediada em Xangai, a Shanghai Kaiwodun Biochemical, se diz capaz de fornecer a droga U-47700 por US$ 3.200 o quilo.

    Um agente de vendas da Kaiwodun informou em mensagem de texto via Skype que a empresa tem muitos clientes nos Estados Unidos e que seus métodos de remessa são comprovados.

    A Weiku removeu os resultados de busca do fentanyl de seu site depois que o "New York Times" telefonou para a empresa em busca de comentários. Um representante da Weiku, Liu Congjuan, disse que a empresa proibia anúncios sobre fentanyl em seu site, mas que os comerciantes contornavam a proibição usando grafias alternativas para o termo de busca. Contatado por e-mail, o Mfrbee.com pediu mais informações mas não fez comentários. A Kaiwodun não respondeu de imediato a perguntas enviadas via e-mail e mensagens de Skype.

    Trump, que acusou a China de ser a principal fonte da "inundação de fentanyl barato e mortífero" nos Estados Unidos, prometeu que debateria o tema em sua reunião com Xi nesta quinta-feira. Em entrevista coletiva na semana passada, Wei Xiaojun, importante funcionário do governo chinês, contestou as afirmações de Trump, dizendo que não há provas que as confirmem.

    O fentanyl é um analgésico sintético entre 30 e 50 vezes mais poderoso que a heroína. Está ganhando popularidade devido à sua potência —basta menos de um miligrama para uma dose— e seu custo relativamente baixo.

    Os investigadores envolvidos em casos sobre drogas dizem que uma tendência preocupante é a de misturar fentanyl com heroína ou oxicodona, outro analgésico muito popular, ou com remédios falsificados, vendidos a usuários desprevenidos.

    A facilidade de compra de opiáceos na China ilustra o quanto será difícil para os Estados Unidos vencerem a guerra contra a pior epidemia de drogas em sua história. Embora a China tenha prometido cooperar com os americanos para deter o influxo de opiáceos, especialistas dizem que isso será difícil devido à regulamentação frouxa das empresas químicas no país —um setor amplo que conta com mais de 30 mil empresas, as quais não enfrentam requisitos severos de transparência.

    "O desafio é que, quando o setor químico é tão grande quanto o chinês, policiá-lo é incrivelmente difícil", disse Jeremy Douglas, representante regional do Escritório da ONU Sobre Drogas e Crime (UNODC) para o Sudeste Asiático e a região do Pacífico.

    "Regulamentá-lo... eu não diria que é impossível, mas não é uma tarefa modesta", ele acrescentou.

    Os analistas dizem que os fabricantes chineses de produtos químicos exploraram a regulamentação fraca para fazer do país o principal produtor mundial de fentanyl. Trump declarou que fentanyl vindo da China "é remetido para os Estados Unidos ou contrabandeado por traficantes de drogas através de nossa fronteira sul". A Agência de Combate às Drogas (DEA) norte-americana afirma que combater o tráfico de fentanyl é uma grande prioridade.

    Kai Pflug, consultor de gestão que trabalha com o setor químico chinês, disse que os fabricantes de fentanyl conseguem evitar detecção em parte porque rotulam seu produto como composto industrial e não farmacêutico, o que os sujeita a regulamentação menos severa.

    "Enquanto for possível fabricar produtos químicos na China sem fiscalização", disse Pflug, "o problema persistirá".

    As autoridades regulatórias chinesas dizem que a velocidade dos químicos no desenvolvimento de novas variedades de fentanil é um problema, já que isso permite que eles contornem a proibição do governo a 23 análogos da droga.

    A China adota linha dura contra as drogas em seu território, executando traficantes e policiando o consumo. Os livros de História e séries de TV mostram como o o país foi prejudicado pelo vício em ópio no século 19, uma das grandes causas das Guerras do Ópio entre a China e o Reino Unido.

    De acordo com a Brookings Institution, as drogas preferenciais dos usuários chineses são o anestésico ketamina e o estimulante metanfetamina. A despeito de o abuso de fentanyl não ser problema em seu território, afirmou Pequim, a lista de análogos de fentanyl proibidos no país é mais longa que a adotada pela agência de combate a drogas da ONU. As autoridades chinesas afirmam que isso é um sinal da disposição do governo de ajudar os Estados Unidos.

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    Pequim nem sempre se provou tão prestativa. Jorge Guajardo, antigo embaixador do México na China, disse que ele e outros funcionários do governo mexicano tentaram repetidamente pressionar as autoridades chineses para que detivessem a exportação de precursores de fentanil fabricados no país ao México.

    "Eles sempre diziam que isso era problema do México, um problema de nossa alfândega, e que não havia o que pudessem fazer", afirmou Guajardo, que foi embaixador de seu país em Pequim entre 2007 e 2013. "Quando os Estados Unidos começaram a pedir a mesma coisa, o assunto logo se tornou problema da China, porque os Estados Unidos têm muitas outras maneiras de retaliar".

    Trump decretou uma emergência de saúde pública quanto à crise dos opiáceos, já que overdoses de drogas —a maioria relacionada a fentanyl e seus derivados— causaram mais de 64 mil mortes no país, entre as quais a do astro pop Prince, no ano passado.

    Douglas, da ONU, disse que as autoridades chinesas estão agindo rapidamente para cooperar. "Estão trabalhando em estreito contato conosco; estão trabalhando com os Estados Unidos e o Canadá", ele disse. "Obviamente existe frustração porque os Estados Unidos e o Canadá vem fazendo muita pressão política, no momento, por ação quanto a isso".

    Em um sinal de que os Estados Unidos decidiram expandir a todo o planeta sua luta contra os opiáceos, o Departamento da Justiça anunciou no mês passado o indiciamento de dois chineses acusados de serem grandes traficantes de fentanyl. O departamento os responsabilizou pela morte de diversos usuários de opiáceos nos Estados Unidos.

    Na entrevista coletiva da semana passada, Wei, do Ministério de Segurança Pública chinês, criticou o anúncio, afirmando que isso prejudicaria o caso, no qual tanto Pequim quanto Washington estão trabalhando. Quando perguntado se a China ajudaria os Estados Unidos a obter a extradição dos dois, Wei não assumiu qualquer compromisso, dizendo que isso dependeria em parte das provas recebidas dos Estados Unidos, que não têm tratado de extradição com a China.

    Na China, os fabricantes de fentanyl estão sempre encontrando novas maneiras de escapar à detecção. Um agente de vendas da Shanghai Changhong Chemical Technology pediu pagamento em bitcoin ou por transferência bancária que permita que o destinatário se mantenha anônimo. Um representante de vendas da Cinri Biological Technology, empresa sediada em Wuhan, no centro da China, prometeu esconder o fentanyl em pacotes de ração para gatos —e que reenviaria quaisquer remessas apreendidas.

    Um agente da Changhong admitiu que a China proíbe a remessa de U-47700 e outras drogas aos Estados Unidos, mas afirmou que conseguiria entregá-las mesmo assim via EMS, a empresa estatal chinesa de entregas expressas. A EMS não respondeu de imediato a um pedido de comentário.

    Muitas empresas químicas da China se queixam dos apelos de Trump por maior regulamentação, dizendo que já enfrentam demandas onerosas do governo chinês e que só estão atendendo seus clientes.

    Os produtores de fentanyl na China dizem fabricar o produto para propósitos legítimos, como a produção de analgésicos para pacientes de câncer.

    "Que papel tivemos em criar esse problema?", disse Cindy Wang, vendedora de uma companhia química em Wuhan que segundo ela vendia fentanyl legalmente no passado. Ela falou sob a condição de que o nome de sua empresa não fosse mencionado. "Cabe ao povo dos Estados Unidos lidar com essa questão".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Editoria de Arte/Folhapress

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