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    Venezuela entra em processo de calote ao deixar de pagar juros da dívida

    YAN BOECHAT
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CARACAS

    15/11/2017 02h32

    Depois de anos tentando pagar os juros de sua dívida externa em meio a uma grave crise de desabastecimento de alimentos, remédios e insumos básicos, a Venezuela não conseguiu honrar seus compromissos e iniciou um calote em cascata que pode se transformar em um dos maiores da história do mercado financeiro mundial.

    Da noite de segunda (13) à tarde de terça-feira (14), ao menos três agências de risco —Standard & Poors, Moody's e Fitch— decretaram um "default seletivo" —calote parcial— nos papéis emitidos pelo país ou por sua principal companhia, a Petroleos de Venezuela (PDVSA).

    Juan Barreto/AFP
    Pessoas fazem fila embaixo de painel com fotos de Chávez e Maduro e a frase 'A Pátria Continua
    Pessoas fazem fila embaixo de painel com fotos de Chávez e Maduro e a frase 'A Pátria Continua'

    A Associação Internacional de Swaps e Derivativos, a Isda, adiou para esta quinta (16) a decisão de declarar o país em moratória.

    Poucos analistas duvidam que a instituição, cuja decisão pode desencadear o pagamento do seguro sobre os papéis da dívida (os Credit Default Swaps ou CDS), irá considerar que a Venezuela ou a PDVSA se mantêm como bons pagadores.

    Hoje a Venezuela acumula uma dívida externa que se avalia estar entre US$ 120 bilhões e US$ 150 bilhões.

    O país, no entanto, tem menos de US$ 10 bilhões em reservas. E a maior parte delas, cerca de 70%, está em ouro.

    Até o final de 2017, a Venezuela precisa pagar em juros e parcelas de sua dívida algo próximo a US$ 1,5 bilhão e, no próximo ano, precisaria desembolsar outros US$ 8 bilhões a vencer.

    Com sua produção de petróleo caindo ano a ano —em 2017 o país registrou a menor produção das últimas três décadas– e o preço do produto no mercado internacional bem abaixo do que nos anos de bonança, dificilmente a Venezuela conseguiria cumprir com seus compromissos sem ajuda externa.

    COMBINADO COM OS RUSSOS

    Ainda não está claro se esse é um default estratégico ou se o governo do país simplesmente não sabe o que fazer diante do problema.

    Para alguns analistas, Nicolás Maduro estaria forçando os preços dos papeis venezuelanos para recordes mínimos, podendo, assim, recomprá-los e reduzir a pressão sobre seu caixa. Para isso, no entanto, necessitaria de ajuda.

    A aposta é de que a Rússia possa ser o parceiro por trás desse arriscado plano, obtendo contratos vantajosos de exploração de petróleo e parcerias militares estratégicas em um país a poucas horas de voo dos Estados Unidos.

    "Há um temor crescente nos países ocidentais de que a Venezuela se transforme no que foi Cuba nos anos 60 e 70, com a vantagem para os russos de que agora eles podem ter lucros astronômicos no quintal dos EUA", afirma um diplomata europeu que acompanha de perto o desenrolar da crise venezuelana.

    A moratória também permitiria que o país ampliasse as importações de alimentos e remédios, o que daria oxigênio extra para o governo, que, segundo o calendário, deve enfrentar eleições presidenciais no próximo ano.

    "Hoje, uma parcela importante da população venezuelana sobrevive com os alimentos distribuídos pelo Estado, diz o cientista político Luis Enrique Lander, presidente do Observatório Eleitoral Venezuelano.

    "Se o governo tiver dinheiro para ampliar essa distribuição, sua vida será muito mais fácil nas eleições do ano que vem, e o eterno risco de uma convulsão social cai sensivelmente", diz ele.

    O risco, no entanto, é de que os detentores dos papéis venezuelanos iniciem uma corrida judicial para arrestar bens do país em diferentes partes do mundo, em especial nos Estados Unidos.

    Hoje a Venezuela depende de seu principal inimigo ideológico, para quem exporta um terço de sua produção de petróleo e onde mantém um complexo de refinarias e postos de gasolina em diferentes Estados sob a bandeira da Citgo, subsidiária da PDVSA. Decisões judiciais poderiam suspender as vendas ao país.

    Há ainda risco de arresto de petroleiros pelo mundo.

    Em Caracas, o anúncio de que a Venezuela entrou em default não teve grande repercussão entre a população, mais preocupada com a escalada da inflação que nesse ano deve superar os 1.000% e com os recordes sucessivos no preço do dólar, que nesta terça beirava os 60 mil bolívares.

    Em uma das diversas distribuições de sopa espalhadas por Caracas, a advogada Lucy Pérez tentava apartar uma briga entre dois homens que esperavam comida.

    "Antes, só moradores de rua vinham comer aqui, mas agora são famílias inteiras, gente que sai do trabalho. Não há comida para todos", dizia ela, na sacristia da Basílica Menor Santa Capilla, igreja tradicional de Caracas.

    (articleGraphicCredit)..
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