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    Subúrbios de grandes cidades fomentam onda democrata nos EUA

    ESTELITA HASS CARAZZAI
    DE WASHINGTON

    15/11/2017 02h04

    "O ódio não tem morada aqui", assegura o cartaz fixado em frente à casa de tijolinhos à vista, na cidade de Alexandria, no Estado da Virgínia.

    A mensagem é uma entre centenas de outras pelas ruas da cidade histórica —vizinha à capital americana Washington, aonde se chega de metrô em meia hora.

    "Nós somos uma vizinhança acolhedora. Abraçamos todo mundo", afirma o professor Ronald Rigby, 82, que colocou dois cartazes em seu jardim.

    Estelita Hass Carazzai/Folhapress
    Ronald Rigby, 82, em sua casa, em Alexandria, na Virgínia; ele fez campanha para Ralph Northam
    Ronald Rigby, 82, em sua casa, em Alexandria, na Virgínia; ele fez campanha para Ralph Northam

    Foram subúrbios como Alexandria, de classe média alta e situados às margens de grandes metrópoles americanas, que criaram uma "onda democrata" na semana passada, na primeira eleição desde a vitória de Donald Trump.

    Eles foram essenciais para eleger candidatos de múltipla representatividade, como uma deputada transgênero na Virgínia, um prefeito sikh em Nova Jersey e um refugiado da Libéria em Montana.

    "Essa eleição demonstrou, em escala nacional, que a discriminação deve ser desqualificada", declarou Danica Roem, 33, a deputada trans eleita, em um pronunciamento após a vitória.

    A campanha dela foi especialmente emblemática, já que a disputa pela vaga a opunha a um deputado republicano em seu 14º mandato, que propôs uma lei para barrar o uso de banheiros em escolas públicas por alunos transgêneros.

    "Ajude-me a proteger os valores conservadores na Virgínia", conclamava, em panfletos, o candidato Bob Marshall, 73.

    "É um momento de orgulho indiscutível, um marco no percurso rumo à igualdade", diz Aisha Moodie-Mills, presidente da organização Victory Fund, que promove e arrecada recursos para candidaturas LGBT. "São candidatos que apresentaram boas propostas e falaram sobre o que interessa ao cidadão, mas que também transmitem uma mensagem importante para o país."

    "A questão não é a raça, não é a nacionalidade. O que os americanos querem são bons candidatos", disse após a votação Wilmot Collins, 54, prefeito eleito de Helena, que é natural da Libéria e refugiado nos Estados Unidos há 23 anos.

    ANTITRUMPISMO

    Embora considerem que fatores locais foram determinantes para sua eleição, os candidatos admitem que o sentimento anti-Trump ajudou a impulsionar o voto nas minorias.

    A aprovação ao presidente é menor entre mulheres, negros e jovens: não passa de 31% no público feminino e empaca nos 8% entre negros. A média nacional é de 38%, segundo levantamento do instituto Gallup.

    Entre as regiões do país, é no Sul que o presidente goza de sua maior aprovação (43%). Mas a onda democrata foi sentida mesmo em Estados tradicionalmente alinhados aos republicanos, como o Kansas, que elegeu uma mãe solteira, democrata e hispânica para a liderança de sua capital, Topeka.

    "Yes, you can" (sim, você pode), afirmou em pronunciamento a vitoriosa Michelle de La Isla, 41, parafraseando o famoso bordão de campanha de Barack Obama —"sim, nós podemos".

    São de mulheres algumas das vitórias mais representativas do último pleito: a cidade de Charlotte, na Carolina do Norte, elegeu sua primeira prefeita negra; e em Seattle, foi eleita uma governante lésbica.

    O que não quer dizer que os resultados possam ser lidos como sinais de uma desaprovação maciça a Trump.

    "Boa parte do país apoia o presidente, especialmente em áreas rurais, de maioria branca e de operários", escreveram em um artigo os pesquisadores Kyle Kondik e Geoffrey Skelley, da Universidade da Virgínia.

    Para eles, o resultado deve ser entendido como cíclico: historicamente, nos anos subsequentes à eleição presidencial, o partido no poder sofre um revés nas eleições locais. O mesmo aconteceu com Obama e George W. Bush, por exemplo.

    "O partido paga um preço por estar na Casa Branca", dizem. "O que esses resultados sinalizam é uma reprimenda ao presidente e ao trumpismo em geral."

    SAUDADES DE HILLARY

    Em Alexandria, esse sentimento é palpável: cartazes nos jardins saúdam imigrantes e fazem críticas ao presidente. Alguns ainda mantêm pôsteres da democrata Hillary Clinton nas janelas.

    "Não durmo direito desde 8 de novembro do ano passado", brinca o pastor batista Howard-John Wesley, referindo-se à noite em que Trump foi eleito.

    Dias antes da votação de agora, a igreja que ele comanda recebeu o governador democrata, Terry McAuliffe, num dos cultos. O político foi aplaudido de pé pelos fieis, a maioria negros, que respondem por 20% da população.

    McAuliffe fora ao templo fazer campanha para o candidato democrata ao comando da Virgínia, Ralph Northam —eleito com 75% dos votos em Alexandria.

    Na noite da vitória dele, um eleitor abraçado a uma bandeira LGBT foi prestigiar a festa organizada pelo comitê democrata. "Fiquei extasiado", diz o designer Glenn Klaus, 47. "Estamos dando nosso recado."

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