• Mundo

    Sunday, 05-May-2024 22:06:08 -03

    Menino com síndrome de Down conta como foi atentado em Nova York

    JAN RANSOM
    DO "NEW YORK TIMES"

    16/11/2017 07h00

    Noah Salz ficou sentado lá, atônito, com os fones de ouvido em torno do pescoço; a bedel que viajava em sua companhia no micro-ônibus escolar amarelo estava caída por sobre ele, sangrando.

    A lateral do veículo estava abaulada, e ele ouvia tiros por perto, os gritos do motorista do ônibus pedindo por ajuda, e os apelos frenéticos de um transeunte para que alguém ligasse para os serviços de emergência.

    Hilary Swift/The New York Times
    Noah (de óculos) abraça o irmão Jake; menino estava em ônibus atingido em atentado em Nova York
    Noah (de óculos) abraça o irmão Jake; menino estava em ônibus atingido em atentado em Nova York

    Não muito distante dali, ao longo da ciclovia à margem do rio Hudson, uma picape havia deixado cerca de 1,5 quilômetro de escombros —corpos e bicicletas destroçados—, antes de colidir com o ônibus escolar em que Noah estava. Eram 15h, no dia do Halloween.

    No total, oito pessoas foram mortas e outras mais saíram feridas no ataque terrorista daquela tarde, mas uma das imagens mais inesquecíveis daqueles primeiros e frenéticos momentos é a do ônibus escolar destroçado —o ônibus que barrou o caminho de um motorista determinado a causar dor e a matar. Quem estava dentro do veículo, e o que aconteceu a essas pessoas?

    Um dos passageiros era Noah, acompanhado por uma colega de escola, pela bedel e pelo motorista. Os três outros passageiros se feriram. Ele escapou ileso, pelo menos fisicamente, mas para um menino de 16 anos com síndrome de Down, o episódio trouxe momentos de terror e confusão.

    "Ele estava no meio de um ataque terrorista", disse Kim Salz, sua mãe, na casa da família em Brooklyn. "Não se machucou, está tudo bem. Mas mentalmente, não tenho certeza".

    Kim Salz diz que vem respeitando as vontades do filho e que só falam do ataque quando ele toma a iniciativa de fazê-lo. "Estamos nos ajustando lentamente, tentando descobrir como nos comportar", ela disse. "Fico contente por ele ter escapado ao pior do ataque".

    Ainda que tenha ouvido os tiros, Noah não viu os disparos de um policial contra Sayfullo Saipov, 29, o motorista acusado do ataque. Ele não viu os mortos e feridos na ciclovia.

    Na noite de sexta-feira, Noah estava acomodado na sala de jantar de sua casa, com seu beagle, Peanut, deitado em uma cadeira ao lado dele.

    "Fiquei assustado", contou. "Havia vidro quebrado em cima de mim. Fiquei chorando. Assusto-me muito quando coisas ruins acontecem".

    Ele se recorda dos tiros, e das luvas púrpura dos paramédicos que o atenderam, fazendo perguntas: "De onde você é? Que dia você nasceu?"

    Ele ligou para sua mãe e pediu que ela fosse apanhá-lo, mas não sabia exatamente onde estava. Talvez em Brooklyn, foi o que disse.

    Salz diz que Noah tipicamente a avisa quando entra no ônibus, mas que naquele dia a voz dele estava trêmula, e ela soube imediatamente que havia algo de errado. Um paramédico explicou que o ônibus havia sofrido um acidente e que ele não estava ferido, mas tinha de ser levado ao hospital, por precaução. Apavorado, o menino resistia.

    "Não, não, não quero ir", Noah dizia, chorando, contou sua mãe.

    Salz reconfortou o filho ao telefone, dizendo que ele estava bem e tinha de seguir as instruções dos paramédicos. Ela disse ao menino que o pai dele, David Salz, que trabalha no centro de Manhattan, iria apanhá-lo no hospital.

    Noah diz que o motorista do ônibus também o ajudou a manter a calma. Ele diz que o motorista o ajudou enquanto os paramédicos empurravam os dois em uma padiola para a ambulância.

    Kim não fazia ideia de que seu filho havia se envolvido em muito mais que um acidente de rotina. Ao ser informada de que a área do acidente estava isolada por conta de uma "situação policial", ela disse que foi procurar as notícias mais recentes online e inicialmente viu informações sobre uma colisão, e depois sobre um motorista enlouquecido e tiros. Ela ainda não sabia que seu filho havia sobrevivido um ataque terrorista.

    "Fiquei preocupado, assustada com o que aconteceu, mas pelo menos sabia que meu filho estava bem", ela disse. "Não sabia mais nada além disso".

    HOSPITAL

    David Salz foi ao hospital fazer companhia ao filho e Kim Salz saiu com a filha Talia, 9, e com seu outro filho, Jake, 14, para recolher doces de Halloween no bairro em que a família vive, Park Slope. Noah deveria estar com eles, vestido de curandeiro indígena. Foi ao sair com os filhos que Kim descobriu os detalhes horripilantes do acontecido.

    "Fiquei decepcionado porque precisei ficar lá em Manhattan", disse o menino, sobre perder a festa de Halloween com os irmãos.

    Para voltar para casa, Kim, Jake e Talia Salz tomaram um trem na Sétima Avenida, e por acaso entraram no vagão em que David e Noah estavam viajando de volta. A mãe e os irmãos correram para ele. Talia o abraçou e perguntou se Noah estava bem. Até dividiu com ele alguns de seus doces de Halloween, o que não é algo que aconteça sempre, segundo Kim.

    Depois do ataque, Talia quis dormir na cama dos pais, e disse que não se sentia confortável indo para a escola no ônibus escolar. A mãe passou a levá-la para a escola de bicicleta, e o pai a levou uma vez, de ônibus comum. Jake não fala muito sobre o que aconteceu. Kim Salz diz que Noah não chorou, mas que contou que "a bedel caiu em cima dele, chorando e pedindo ajuda, e que o rosto dela o assustou".

    Na semana passada, Talia foi para a escola no ônibus escolar e voltou a dormir em seu quarto, pela primeira vez desde o ataque. Noah rapidamente retomou sua rotina. Faltar às aulas não era opção, ele disse.

    Na noite de sexta-feira, antes de voltar ao seu quarto para fazer a lição de casa, Noah disse: "Esta semana estou feliz".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024