• Mundo

    Saturday, 27-Apr-2024 06:43:25 -03

    Por gostar de elefantes, Trump veta importação de troféus de caça

    PETER BAKER
    EMILY COCHRANE
    DO "NEW YORK TIMES"

    21/11/2017 12h20

    Martin Bureau - 17.nov.2012/AFP
    Elefante no Parque Nacional Hwange, no Zimbábue
    Elefante no Parque Nacional Hwange, no Zimbábue

    Talvez tenha sido a lembrança de uma visita ao zoológico na infância. Talvez tenha sido um senso de lealdade para com o animal que serve de símbolo ao seu partido político (nos EUA, o Partido Republicano é representado por um elefante, enquanto o Partido Democrata tem como símbolo um burro).

    Mas a surpreendente intervenção do presidente Donald Trump para tentar salvar os elefantes do Zimbábue atraiu elogios de todo o espectro político - e a questão de o que o levou a fazê-lo se tornou o proverbial paquiderme na sala.

    No que pode ter sido um dos mais curiosos momentos de seu primeiro ano como presidente, Trump suspendeu subitamente uma nova regra federal que teria permitido que caçadores levassem aos Estados Unidos "troféus" de elefantes mortos no Zimbábue, e definiu a caça como "um show de horrores" que não ajuda a causa da conservação.

    "Houve choque por o presidente e seu governo terem revertido uma decisão sobre os troféus de caça, como ele fez", disse Tanya Sanerib, advogada sênior do Centro pela Diversidade Biológica, que luta pela proteção de espécies ameaçadas de extinção. "Mas há algo nos elefantes que supera as divisões entre partidos. Eles afetam as pessoas."

    Assessores do presidente disseram que esse é basicamente o motivo da decisão. Ele gosta de elefantes. Trump não sabia da decisão de seu governo de suspender a proibição à entrada de troféus até que a notícia surgiu na mídia, e ficou irritado por ser criticado com relação a uma medida sobre a qual nem estava informado. Por isso, expressou seu desprazer da maneira que vem fazendo ao longo do ano: por meio de sua conta no Twitter.

    A decisão de Trump coincide com os sentimentos de personalidades conservadoras da mídia, como Michael Savage, Laura Ingraham e Mike Cernovich, que defenderam Trump em uma torrente de controvérsias este ano mas protestaram contra o anúncio inicial da medida pelo governo.

    "Foi uma decisão absurda", disse na segunda-feira (20) Ingraham, apresentadora do canal de notícias Fox News, que foi considerada para um posto no governo Trump. "Quem atiraria nessas criaturas majestosas?" Ingraham se define como "conservacionista", e já visitou Botsuana três vezes, a mais recente das quais nas férias de verão deste ano, com seus filhos.

    O governo do presidente Barack Obama proibiu a importação de troféus de caçadas de elefantes do Zimbábue e Zâmbia, em 2014, afirmando que não havia dados sobre as medidas de conservação dos elefantes nesses dois países. Qualquer porção do corpo do elefante, o que inclui suas presas, pode ser enquadrada como troféu. O governo Obama seguiu essa medida com uma proibição quase total ao comércio de marfim extraído de elefantes africanos, em 2016. Essa norma não foi alterada.

    Os dois países africanos vêm enfrentando dificuldades para manter ou elevar sua população de elefantes, de acordo com o Great Elephant Census, um recenseamento de animais financiado por Paul Allen, um dos fundadores da Microsoft. O projeto constatou que a população de elefantes africana caiu em quase 30% entre 2007 e 2014.

    O Serviço de Pesca e Fauna dos Estados Unidos, supervisionado por Ryan Zinke, o secretário do Interior, determinou que Zâmbia e Zimbábue haviam adotado planos aceitáveis para a administração de suas populações de elefantes. O serviço suspendeu sua proibição de importação de troféus da Zâmbia no começo do mês, e havia começado na sexta-feira (17) a aceitar licenças para elefantes caçados no Zimbábue.

    Mas a medida foi cancelada na noite de sexta-feira, quanto aos dois países africanos, depois de Trump anunciar sua intenção de revisar a decisão. "Vamos suspender a decisão sobre os troféus de caça até que eu possa revisar todos os fatos quanto à conservação", ele escreveu. "Isso está em estudo há anos. Logo terei informações do secretário Zinke. Obrigado!"

    No domingo (19), Trump postou uma mensagem mais específica: "Decisão sobre troféus de caça será anunciada na semana que vem, mas dificilmente mudarei de ideia sobre o fato de que esse show de horrores não ajuda a conservação de elefantes ou de qualquer outro animal", ele escreveu.

    Trump não é caçador, ao contrário de seus filhos, Donald Jr. e Eric. Em 2012, foram postadas online fotos de ambos posando ao lado de diversas presas, em uma caçada no Zimbábue. Uma das fotos mostrava Donald Trump Jr. com uma faca em uma mão e uma cauda de elefante na outra.

    Donald Trump Jr. declarou na época que a caçada era legal, e que safáris como aquele na verdade ajudavam a preservar a fauna ao prover incentivos para que os moradores locais preservem as populações de animais de caça.

    Segundo Trump Jr., ele e seu irmão haviam começado a caçar por influência de seu avô materno. O pai deles, cidadão urbano por toda a vida, "não entende porque Eric e eu caçamos", ele acrescentou. "Mas é um cara de mente aberta e sempre nos permitiu caçar".

    Já Lara Trump, a mulher de Eric, se tornou defensora aberta dos direitos dos animais, e a Humane Society (sociedade protetora dos animais) norte-americana disse que ela pediu atenção do Congresso à questão dos troféus de caçadas de elefante, na quinta-feira (16). Ela e o marido visitaram a Casa Branca na sexta-feira, mas assessores do presidente disseram não saber se a questão das caçadas foi parte da conversa.

    Trump estava certamente sendo criticado quanto ao anúncio de que a proibição à importação de troféus seria suspensa. Savage, apresentador de rádio que defende Trump com tamanha veemência que ameaçou os democratas de guerra civil caso o presidente seja deposto, ficou indignado. "Homens corajosos caçam elefantes?", ele perguntou aos seus seguidores no Twitter.

    Cernovich, conhecido por alimentar teorias de conspiração contra os progressistas na internet, postou fotos que o mostravam acariciando elefantes, no Twitter, e escreveu que "essas animais mágicos mudarão sua vida, se você abrir o coração".

    Do outro lado, a NRA (Associação Nacional do Rifle, na sigla em inglês), organização norte-americana de defesa do direito ao porte de armas que também é partidária de Trump, havia elogiado a revogação da proibição, definindo-a como "passo significativo para que a caça receba o reconhecimento que merece como ferramenta de administração da fauna".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024