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    Mugabe caiu, mas sua máquina de roubar está instalada no Zimbábue

    TODD MOSS
    DA "FOREIGN POLICY"

    24/11/2017 07h00

    Robert Mugabe fez suspense com a população zimbabuana até o amargo final, mas seu reinado de 37 anos terminou, finalmente. Porém, ele vai lançar uma sombra comprida sobre a política de seu país por muitos anos ainda.

    Único líder que a nação conheceu desde o final do governo minoritário branco, em 1980, ele presidiu em meio à queda do Zimbábue. De potencial potência regional o país decaiu para Estado predatório que atende aos interesses apenas dos mais corruptos e venais.

    Philimon Bulawayo - 21.nov.2017/Reuters
    Manifestantes comemoram renúncia do ditador do Zimbábue Robert Mugabe em Harare na terça (21)
    Manifestantes comemoram renúncia do ditador do Zimbábue Robert Mugabe em Harare na terça (21)

    No passado o país exportava alimentos, mas hoje metade da população rural depende da generosidade internacional para sobreviver. Os enormes protestos do fim de semana foram uma rejeição evidente a esse legado.

    Mas, com a União Nacional Africana Zimbabuana (Zanu-PF) de Mugabe ainda firme no poder, as perspectivas de reformas reais são poucas, embora não totalmente inexistentes.

    Algumas pessoas esperam que Emmerson Mnangagwa, ex-vice deposto por Mugabe que virou seu sucessor, forme uma autoridade de transição inclusiva para administrar o país até as eleições, possivelmente já em agosto de 2018.

    Isso permitiria que os militares voltassem aos quartéis e que novas autoridades iniciassem negociações emergenciais com os credores do país.

    A economia zimbabuana se encontra quase em queda livre, sofrendo de uma escassez aguda de dinheiro vivo, mas essa situação não será corrigida enquanto não for saldada uma dívida atrasada de cerca de US$ 5 bilhões e o país obtiver uma nova linha de crédito.

    Para ter credibilidade, porém, o governo de transição precisaria incluir figuras como o veterano líder oposicionista Morgan Tsvangirai, o respeitado ex-ministro financeiro Tendai Biti, a ex-vice-presidente Joice Mujuru e o político veterano Welshman Ncube, entre outros.

    Eles com certeza precisariam de garantias de que as autoridades de transição vão exercer poder real, especialmente de reformar o sistema eleitoral.

    Uma possibilidade mais pessimista, mas muito mais provável, é que Mnangagwa simplesmente assuma o poder. O novo dirigente zimbabuano é um dos criadores desse sistema de repressão e controle que enriqueceu um grupinho no topo, através de um vasto império de corrupção.

    Ele pode atrair um ou dois líderes oposicionistas para exercerem papéis cerimoniais, mas é pouco provável que ceda influência real. Foi o que aconteceu no último governo de união nacional, entre 2009 e 2013.

    Na época, a oposição ganhou um lugar nominal no comando do país após Mugabe ter lançado uma campanha de assassinatos, tortura e estupros para influenciar indevidamente a eleição de 2008.

    Tsvangirai e outros têm muita consciência dessa armadilha, mas é possível que sejam pressionados a participar, à espera de concessões. Seria uma aposta altamente perigosa a fazer com Mnangagwa, apelidado de 'crocodilo' por ser tão implacável como chefe de segurança.

    CONCORDÂNCIA

    Esse cenário mais pessimista —de uma junta militar disfarçada— só sobrevive a longo prazo com a concordância pelo menos tácita da comunidade internacional. Infelizmente, a África do Sul e o Reino Unido já teriam indicado preferência pela estabilidade de curto prazo.

    Os países podem estar dispostos a deixar Mnangagwa no comando do Zimbábue por cinco anos, para mostrar o que pode fazer. Como resultado, Londres e Pretória perderam sua credibilidade como mediadores entre o regime e a oposição —exemplo disso foi a reivindicação de que a África do Sul ficasse de fora da transição.

    Os EUA veem o Zimbábue de outra forma. Uma lei de 2001 define condições rígidas para a reaproximação entre os dois países e o novo dirigente e o chefe militar, Constantino Chiwenga, estão na lista de alvos de sanções americanas.

    A Casa Branca também tem influência em qualquer reestruturação de dívida ou concessão de novos créditos. Antes de dar fim à dívida, Washington é obrigada a exigir a realização de eleições livres, justas e com credibilidade.

    A sobrevivência em longo prazo de qualquer novo governo zimbabuano vai depender do fim da crise. Mas o Zanu-PF têm uma capacidade surpreendente de resistir a reformas. Assim como Mugabe se aferrou ao poder até o fim, a máquina de saques que ele deixou pode continuar a funcionar, custe o que custar.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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