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    OPINIÃO

    É preciso renegar dogmas para frear populistas

    DANI RODRIK
    DO PROJECT SYNDICATE, EM CAMBRIDGE

    26/11/2017 03h17

    Denis Charlet/AFP
    A líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, deixa a cabine de votação em Henin-Beaumont, norte da França, no domingo (11 de junho)
    Marine Le Pen deixa a cabine de votação em Henin-Beaumont, norte da França, em 11 de junho

    Numa conferência que acompanhei recentemente, me sentei ao lado de um respeitado especialista em política comercial americana.

    Começamos a falar do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), ao qual o presidente Donald Trump atribuiu a culpa dos problemas dos trabalhadores americanos e que ele está tentando renegociar. "Nunca dei muita importância ao Nafta", disse o economista.

    Fiquei surpreso. O especialista tinha sido um dos proponentes mais destacados do Nafta quando o acordo foi concluído, um quarto de século atrás.

    Ele e outros economistas do comércio tinham exercido um papel importante no esforço de convencer o público americano a aceitar o tratado. "Apoiei o Nafta porque achei que ele abriria o caminho para outros acordos comerciais", explicou o economista.

    Duas semanas depois eu estava em um jantar na Europa onde o orador era um ex-ministro das Finanças de um país da zona do euro. O tópico era a ascensão do populismo.

    O ex-ministro tinha deixado a política e fez críticas fortes aos erros que, para ele, tinham sido cometidos pela elite política europeia. "Acusamos os populistas de fazerem promessas que não conseguem cumprir, mas deveríamos fazer essa crítica a nós mesmos", ele nos disse.

    Mais cedo, no jantar, eu havia comentado algo que descrevo como um "trilema" –a impossibilidade de ter soberania nacional, democracia e hiperglobalização, todos ao mesmo tempo. Temos que escolher duas dessas coisas.

    O ex-político falou com veemência: "Os populistas pelo menos são francos. Eles falam com clareza sobre a escolha que estão fazendo: querem o Estado-nação, não a hiperglobalização ou o mercado único europeu. Mas dissemos à nossa população que ela podia desfrutar dos três bolos simultaneamente. Fizemos promessas que não temos como cumprir".

    Nunca vamos saber se maior franqueza por parte dos políticos e democratas centristas nos teriam poupado da ascensão de demagogos nativistas como Trump ou, na França, Marine Le Pen.

    O que está claro é que a falta de clareza no passado teve um preço. Aos movimentos políticos do centro, ela lhes custou sua credibilidade. E tornou mais difícil para as elites lançarem uma ponte sobre o abismo que os separa das pessoas comuns que se sentem abandonadas pelo establishment.

    Muitas elites não entendem por que pessoas pobres ou da classe trabalhadora votaram em alguém como Trump. Afinal, as políticas econômicas declaradas de Hillary Clinton muito provavelmente teriam sido mais favoráveis a eles. Para explicar o aparente paradoxo, as elites citam o racismo, ignorância ou irracionalidade desses eleitores.

    ASSIMÉTRICOS

    Mas existe outra explicação, uma que condiz plenamente com a racionalidade e o interesse próprio.

    Quando os políticos centristas perdem sua credibilidade, é natural que os eleitores não tomem suas promessas pelo valor de face. Os eleitores têm chance maior de se sentirem atraídos por candidatos com credenciais antiestablishment e que, a seu ver, irão diferir das políticas públicas vigentes.

    Na linguagem dos economistas, os políticos centristas enfrentam um problema de informação assimétrica. Eles se dizem reformadores, mas por que os eleitores deveriam acreditar em líderes que não parecem ser diferentes da safra anterior de políticos que lhes apresentaram os ganhos da globalização como sendo maiores do que eram e que fizeram pouco caso de suas reivindicações?

    No caso de Hillary Clinton, fica claro que sua ligação estreita com o mainstream globalista do Partido Democrata e seus vínculos estreitos com o setor financeiro agravaram o problema.

    Sua campanha prometeu acordos comerciais justos e negou apoio à Parceria Transpacífico (TPP), mas até que ponto ela realmente pensava assim? Afinal, quando Hillary foi secretária de Estado ela apoiou fortemente a TPP.

    Os economistas chamam a isso de "pooling equilibrium". Políticos convencionais e reformistas têm a mesma cara e, desse modo, suscitam a mesma reação de boa parte do eleitorado. Eles perdem votos para os populistas e demagogos cujas promessas de transformar o sistema parecem mais dignas de crédito.

    Apresentar o desafio como um problema de informação assimétrica também aponta para uma possível solução. Um "pooling equilibrium" pode ser desfeito se políticos reformistas puderem assinalar aos eleitores quais são suas "posições verdadeiras".

    "Assinalar" tem um significado específico neste contexto. Significa praticar um comportamento que tem custos altos e é suficientemente extremo para que um político convencional nunca desejaria imitá-lo, mas não tão extremo a ponto de converter o reformador em populista e derrotar o objetivo.

    Para alguém como Hillary, supondo que sua mudança de atitude fosse real, isso poderia ter significado anunciar que ela não aceitaria mais um dólar sequer de Wall Street e, se fosse eleita, não firmaria outro acordo comercial.

    Em outras palavras, os políticos de centro que queiram roubar a cena dos demagogos precisam trilhar um caminho muito estreito. Se isso soa difícil, é indicativo da magnitude do desafio que esses políticos enfrentam.

    Para fazer frente a ele, provavelmente serão necessários novos rostos e políticos mais jovens, que não tenham sido contaminados pelas posições globalistas e fundamentalistas de mercado de seus predecessores.

    Isso também vai exigir o reconhecimento direto de que promover o interesse nacional é o que os políticos são eleitos para fazer. E isso implica uma disposição de atacar muitas das vacas sagradas do establishment –especialmente a liberdade de ação dada às instituições financeiras, o viés em favor de políticas de austeridade, a visão negativa do papel do governo na economia, a movimentação irrestrita de capitais pelo mundo e a fetichização do comércio internacional.

    Para os ouvintes do mainstream, o discurso desses líderes frequentemente soará discordante e extremo. Mas nada menos que isso pode ser necessário para os políticos atraírem de volta os eleitores que se renderam aos demagogos populistas.

    Esses políticos precisam propor um conceito inclusivo, e não nativista, da identidade nacional, e sua política precisa se conservar estritamente dentro das normas democráticas liberais. Todo o resto deve poder ser negociado.

    DANI RODRIK é professor de economia política internacional na Escola John F. Kennedy de Governo da Universidade Harvard e autor de "Economics Rules: The Rights and Wrongs of the Dismal Science"

    Tradução de CLARA ALLAIN

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