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    Cidade mais pró-'brexit' tenta romper imagem anti-Europa

    DANIEL BUARQUE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
    EM BOSTON (REINO UNIDO)

    26/11/2017 02h06

    Os moradores da pequena cidade de Boston, no nordeste da Inglaterra, parecem querer passar uma mensagem ao resto do mundo e mudar a imagem que construíram há pouco mais de um ano: "Não somos racistas".

    "Não há um sentimento anti-imigração, não há tensão", disse à Folha o representante da cidade no Parlamento britânico, em Londres, o conservador Matt Warman.

    O esforço do argumento, que se repete em várias conversas da reportagem durante uma viagem à cidade, é uma tentativa de quebrar a má fama de Boston, considerada o símbolo do sentimento antieuropeu no Reino Unido.

    Com cerca de 60 mil habitantes e localizada a 180 km de Londres, em Lincolnshire, Boston ganhou fama por ter sido a cidade com maior votação a favor da saída britânica da União Europeia, no plebiscito sobre o assunto, em junho do ano passado.

    Enquanto nacionalmente o "brexit" foi aprovado por uma margem mínima (3,8 pontos percentuais de diferença), e Londres liderou a votação contrária ao rompimento, três em cada quatro eleitores da pequena cidade apoiaram o rompimento com o bloco econômico.

    Onde fica Boston, Reino Unido

    O resultado surpreendeu analistas e políticos nacionais baseados na capital, mas já era esperado na cidade.

    "Boston teve a maior votação pelo 'brexit' por causa do influxo de migrantes que entram na comunidade e nas indústrias locais", afirmou o conselheiro (vereador) James Edwards. Membro do Ukip, partido radical que prega a "independência" do Reino Unido, ele é um dos bostonianos que se mobilizaram pelo rompimento com a Europa.

    A postura política demonstrada nas urnas contrasta com a paisagem da pequena cidade. Enquanto os eleitores rejeitam fazer parte da Europa, as ruas de Boston parecem tomadas por ela.

    Por todo o centro é fácil escutar grupos falando outros idiomas que não inglês. O português com sotaque de Portugal é frequente, mas o predomínio é de poloneses, letões e lituanos.

    Desde a chegada na microestação de trem da cidade, a primeira coisa que chama a atenção é a sequência de mercados especializados em produtos europeus, especialmente comidas étnicas de países do leste do continente.

    "European Food", dizem os letreiros de pequenas lojas com vitrines cobertas por cartazes, e onde dentro mal se ouve falar inglês.

    Ninguém dessas lojas gosta muito de falar sobre o "brexit", entretanto. Abordados pela reportagem, os poucos que falam preferem não se identificar e dizem apenas que foi uma decisão democrática.

    A impressão da presença da UE na cidade para quem chega pela primeira vez é diferente da sensação de quem morou a vida toda em Boston.

    "O 'brexit' foi uma votação para fechar as porteiras, controlar a chegada de imigrantes", disse o brasileiro Robsley de Souza, 36, dono do bar Samba Brazil. Ele e a mulher, Ana de Souza, 34, chegaram a Boston há 13 anos e viram sua transformação recente. "A cidade perdeu muito com a imigração. A vida das pessoas ficou mais cara, mais difícil. Piorou. Tem gente demais e pouco trabalho", disse Ana.

    A história é bem conhecida, afirma à Folha o conselheiro Paul Gleeson, "vereador" trabalhista da cidade e opositor do "brexit".

    A economia cresceu, ampliou a oferta de empregos e atraiu imigrantes. Aí veio a ressaca, com redução de salários e aumento do custo de vida. "Quando há lucro, mais imigrantes chegam. O problema é que isso muda a cidade. Ficou mais caro viver, mesmo para quem sempre morou em Boston".

    A avaliação dele, entretanto, é de que o problema não é apenas a imigração, mas a forma desenfreada como ela ocorreu e a falta de integração com o restante da cidade.

    O resultado do "brexit" em Boston pode ajudar a mudar isso. A fama repentina de cidade menos integrada do país fez com que o governo britânico passasse a oferecer apoio à administração local para lidar com a imigração.

    O principal projeto neste sentido é coordenado pelo eletricista Julian Ross Thompson, que criou o "Boston More in Common", campanha que tenta criar uma ponte entre os locais e os imigrantes.

    "A cidade está exausta. Não é preciso ser racista para ver isso e querer uma mudança", disse Thompson.

    Segundo o representante de Boston no Parlamento, a demora nas negociações do governo de Theresa May com a Europa, e a perspectiva de dificuldades econômicas após o divórcio não mudou a opinião dos bostonianos. "Se houvesse um novo plebiscito, era possível que a proporção de eleitores a favor do 'brexit' fosse ainda maior."

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