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    'Washington Post' foi abordado com notícia falsa de candidato republicano

    SHAWN BOBURG
    AARON C. DAVIS
    ALICE CRITES
    DO "WASHINGTON POST"

    28/11/2017 12h20

    Brynn Anderson - 25.set.2017/Associated Press
    O candidato republicano ao Senado do Alabama, Roy Moore, participa de comício em Fairhope
    O candidato republicano ao Senado do Alabama, Roy Moore, participa de comício em Fairhope

    Uma mulher que afirmou falsamente ao "Washington Post" que Roy Moore, candidato republicano ao Senado pelo Estado do Alabama, a havia engravidado quando ela era adolescente parece trabalhar para uma organização que usa táticas enganosas a fim de gravar conversações secretamente, em um esforço para embaraçar seus alvos.

    Durante uma série de entrevistas, ao longo de duas semanas, ela contou uma história dramática sobre um suposto relacionamento sexual com Moore em 1992, quando tinha 15 anos. Durante as entrevistas, ela pressionou repetidamente os repórteres do jornal a expressarem sua opinião sobre o efeito que suas declarações teriam sobre a candidatura de Moore, caso ela fosse a público para falar a respeito.

    O "Washington Post" não publicou reportagens com base em suas afirmações não substanciadas. Quando repórteres do jornal a confrontaram, apontando para incoerências em seu relato e para um post na internet que colocava em dúvida sua motivação, ela insistiu em que não estava trabalhando com qualquer organização que toma jornalistas por alvo.

    Mas na manhã da segunda-feira, repórteres do "Washington Post" a viram entrando nos escritórios do Project Veritas, no Estado de Nova York. A organização frequentemente ataca grandes veículos noticiosos e organizações esquerdistas. O Project Veritas organiza operações clandestinas que envolvem o uso de falsas histórias e de gravações ocultas em vídeo para expor aquilo que define como "distorções" da mídia.

    James O'Keefe, fundador do Project Veritas, foi condenado em 2010 pelo delito de usar identidade falsa para entrar em um edifício do governo federal, durante uma de suas operações, e se recusou a responder perguntas sobre a mulher em questão, ao ser abordado diante dos escritórios do Project Veritas, em Mamaroneck, Nova York, na manhã da segunda-feira, pouco depois que a mulher entrou.

    "Não vou dar entrevista agora; não direi nada", disse O'Keefe.

    Em entrevista posterior, ele se recusou a responder perguntas repetidas sobre se a mulher trabalhava para o Project Veritas. Tampouco respondeu quando perguntado se está trabalhando com Moore, antigo assessor da Casa Branca; com Steve Bannon, aliado de Moore; ou com estrategistas do Partido Republicano.

    Os esforços da organização ilustram até que ponto esses ativistas estão dispostos a ir para tentar desacreditar os veículos de mídia que reportaram sobre as acusações de múltiplas mulheres, que denunciaram Moore por assediá-las quando eram adolescentes e ele tinha pouco mais de 30 anos. Moore nega qualquer impropriedade.

    Um porta-voz da campanha de Moore não respondeu de imediato a um pedido de comentário.

    A mulher que procurou repórteres do "Washington Post", Jaime Phillips, não respondeu a ligações para seu celular na manhã de segunda-feira. O carro dela ficou no estacionamento do Project Veritas por mais de uma hora.
    Depois que Phillips foi vista entrando no escritório do Project Veritas, o "Washington Post" tomou a rara decisão de reportar sobre as declarações anteriores que ela havia feito em off (da expressão em inglês "off the record", que indica que a fonte deve permanecer anônima).

    "Sempre honramos nossos acordos de manter declarações em off, desde que haja boa fé", disse Martin Baron, editor executivo do jornal. "Mas essa conversação supostamente em off era na verdade um esquema para nos enganar e embaraçar. A intenção do Project Veritas era claramente a de divulgar a conversa se caíssemos em sua armadilha. Por conta de nosso rigor jornalístico usual, não fomos enganados, e não podemos honrar um acordo para manter em off uma conversa quando a outra parte está claramente agindo de má fé".

    A visita de Phillips ao escritório do Project Veritas coroou um esforço de semanas de duração iniciado horas depois que o "Washington Post" publicou um artigo, em 9 de novembro, que incluía afirmações de que Moore fez sexo com Leigh Corfman, uma menina de 14 anos.

    Beth Reinhard, repórter do jornal e coautora do artigo sobre Corfman, recebeu uma mensagem de e-mail misteriosa na manhã seguinte.

    "Roy Moore no Alabama... eu talvez saiba alguma coisa mas preciso me manter segura. Como fazemos?", escreveu a suposta denunciante, usando uma conta de e-mail em nome de "Lindsay James".

    O assunto do e-mail era "Roy Moore no AL". O endereço de e-mail do remetente incluía o termo "rolltide", o grito de guerra das equipes esportivas da Universidade do Alabama, conhecidas pelo apelido "Crimson Tide".
    Reinhard respondeu ao e-mail perguntando se a pessoa estava disposta a conversar em off.

    "Não sei se posso confiar no telefone", foi a resposta. "Podemos ficar no e-mail?"

    "Preciso confiar em que vocês serão capazes de me proteger, antes de contar tudo", escreveu a pessoa em mensagem subsequente. "Tenho coisas escondidas há muito tempo, e talvez elas devam ficar escondidas, mesmo".
    O e-mail surgiu em meio a contra-ataques dos partidários de Moore contra o "Washington Post" e seus repórteres.

    Naquele mesmo dia, o site conservador Gateway Pundit espalhou uma falsa história de uma conta de Twitter, @umpire43, que dizia que "uma amiga da família no Alabama acaba de contar à minha mulher que uma jornalista chamada Beth lhe ofereceu US$ 1 mil para acusar Ray Moore". A conta, que tinha um histórico como disseminadora de desinformação, foi apagada.

    O "Washington Post", como muitas outras organizações noticiosas, têm normas contra pagar por informações, e não o fez em sua cobertura sobre Moore.

    Em 14 de novembro, um pastor do Alabama disse ter recebido um recado telefônico de um homem que se definia falsamente como repórter do jornal e buscava mulheres "dispostas a fazer declarações prejudiciais" sobre Moore, por dinheiro. Ninguém associado ao "Washington Post" fez essa ligação.

    Nos dias que se seguiram aos e-mails iniciais da suposta denunciante, Reinhard se comunicou com ela por meio de mensagens de texto cifradas, e falou com a denunciante por telefone para marcar um encontro. Quando a mulher sugeriu um encontro em Nova York, Reinhard disse que tinha de saber mais sobre sua história e seus antecedentes. A mulher então revelou que seu nome verdadeiro era Jaime Phillips.

    Ela disse que vivia em Nova York mas que estaria na área de Washington na semana de Ação de Graças, e sugeriu um encontro na terça-feira daquela semana em um shopping center em Tysons Corner, Virgínia. "Vou fazer compras por lá, e assim posso encontrar um bom lugar para um encontro antes de você chegar", ela escreveu em uma mensagem enviada via Signal, um serviço de mensagens cifradas.

    Quando Reinhard sugeriu levar outro repórter com ela, Phillips escreveu que "não me sinto confortável com a presença de outra pessoa, por enquanto".

    Reinhard chegou e encontrou Phillips, 41, que tem cabelos ruivos e longos e estava usando uma jaqueta de couro marrom, sentada em uma cabine do restaurante.

    Ela contou ter sofrido abusos na infância, segundo Reinhard. Sua família vivia se mudando. Ela disse ter ido morar com uma tia na região de Talladega, Alabama, e que começou a participar de um grupo de jovens em uma igreja. Phillips disse ter conhecido Moore aos 14 anos, em 1992, quando ele se tornou juiz naquele condado. Os dois teriam iniciado uma relação sexual "secreta".

    "Eu sabia que aquilo não era certo, mas nem liguei", disse Phillips.

    Ela disse que engravidou e que Moore a convenceu a fazer um abordo, e que a levou de carro ao Mississipi para fazê-lo.

    Na entrevista, ela disse a Reinhard que estava tão incomodada em contar a história que nem conseguia terminar sua salada.

    Phillips disse que começou a pensar em denunciar o acontecido depois que surgiram acusações contra o produtor de cinema Harvey Weinstein. E conta que depois disso viu as notícias sobre Moore na TV, na sala de repouso da empresa para a qual trabalhava, a NFM Lending, no condado de Westchester, em Nova York, segundo Reinhard.

    Phillips pediu repetidamente à repórter que garantisse que Moore perderia a eleição se ela se pronunciasse. Reinhard lhe disse em mensagem de texto subsequente que era impossível prever o impacto da revelação. Reinhard também explicou a Phillips que suas afirmações teriam de ser confirmadas, e lhe pediu por documentos que corroborassem ou sustentassem a história.

    Naquele mesmo dia, Phillips enviou mensagens de texto a Reinhard dizendo que havia sentido "ansiedade & energia negativa depois de nosso encontro". Ela escreveu: "Você não me convenceu de que devo me pronunciar".
    Reinhard respondeu: "Lamento, mas preciso ser honesta com você sobre o processo de verificação, e sobre não podermos garantir o que acontecerá como resultado de mais uma reportagem".

    Phillips não se satisfez. Na quarta-feira, o dia anterior ao feriado de Ação de Graças, ela sugeriu um encontro com outra repórter do "Washington Post", Stephanie McCrummen, coautora do primeiro artigo sobre Corfman. "Prefiro procurar outro jornal do que falar de novo com você", disse Phillips a Reinhard.

    Na redação, Reinhard estava preocupada com alguns aspectos da história de Phillips. Ela havia dito que só morou no Alabama por um verão, quando adolescente, mas o número de celular que ela havia dado à jornalista tinha código de área daquele Estado. Reinhard ligou para a NFM Lending em Westchester, e foi informada de que eles não tinham uma funcionária chamada Jaime Phillips.

    Alice Crites, pesquisadora do "Washington Post" que estava estudando os antecedentes de Phillips, encontrou um documento que reforçou ainda mais as suspeitas da repórter: uma página de Web para uma campanha de arrecadação de fundos mantida por uma pessoa com o mesmo nome. A página, no site GoFundMe.com, estava registrada sob o nome Jaime Phillips.

    "Vou me mudar para Nova York!", dizia a página de arrecadação de fundos. "Aceitei emprego trabalhando no movimento de mídia conservadora, para combater as mentiras e trapaças da MSM [abreviação para "mainstream media"] liberal. Usarei meu talento como pesquisadora e verificadora de fatos para ajudar nosso movimento. Perdi meu emprego no setor de hipotecas meses atrás e encontrei essa oportunidade de mudar de carreira".

    Em um post em março em sua página do Facebook, o Project Veritas anunciou que estava em busca de 12 novos "repórteres infiltrados", ainda que os agentes da organização empreguem métodos rejeitados pelos jornalistas convencionais, como por exemplo o de não se identificarem claramente como jornalistas.

    Um post sobre a vaga para "jornalista" que o site do Project Veritas publicou naquele mês alertava que o trabalho "não é para os fracos".

    O objetivo do emprego, segundo o anúncio, era "adotar um pseudônimo, ganhar acesso a uma pessoa de interesse e persuadi-la a revelar informações".

    As tarefas que o candidato deveria realizar incluíam "decorar um roteiro", "preparar um histórico para sustentar seu papel", "obter acesso ou um encontro com o alvo da investigação" e "operar equipamento de gravação oculto".

    O Project Veritas foi fundado em 2010 como uma organização sem fins lucrativos isenta de impostos, e afirma que sua missão é "investigar e expor corrupção, desonestidade, favorecimento, desperdício, fraude e outros delitos". A organização arrecadou fundos de US$ 4,8 milhões e empregava 38 pessoas em 2016, de acordo com as informações financeiras que presta ao governo. Também contava com 92 voluntários.

    A ficha de O'Keefe como criminoso causou problemas à organização em alguns Estados. Mississipi e Utah privaram a organização de sua licença para arrecadar dinheiro em seus territórios por ela não ter revelado a condenação de O'Keefe em sua solicitação.

    Outro empregado do Project Veritas é o ex-produtor de televisão Robert Halderman, sentenciado a seis meses de prisão em 2010 depois de ser acusado de tentar chantagear David Letterman, então apresentador de um talk show. Halderman estava em companhia de O'Keefe diante do escritório do Project Veritas na segunda-feira quando um repórter fez perguntas sobre o papel de Phillips na organização.

    Porque o nome Jaime Phillips é relativamente comum., não era certo que a página do GoFundMe encontrada por Crites tivesse sido criada pela mulher que procurou o "Washington Post". Mas havia outro detalhe revelador, além do nome. Uma das duas doações listadas na página era de uma pessoa cujo nome era igual ao da filha de Phillips, de acordo com registros públicos.

    McCrummen aceitou o encontro com Phillips naquela tarde.

    Phillips sugeriu um encontro na área de Alexandria, Virgínia, dizendo que estava fazendo compras por lá. Câmeras do "Washington Post" acompanharam McCrummen, que levou uma cópia impressa da página de arrecadação de fundos de Phillips para a entrevista.

    Phillips chegou com antecedência, e estava à espera de McCrummen, com a bolsa sobre a mesa. Quando McCrummen colocou sua bolsa perto da bolsa de Phillips para bloquear uma possível câmera, Phillips mudou sua bolsa de lugar.

    Os câmeras do "Washington Post" estavam sentados em uma mesa adjacente, e Phillips não os percebeu.

    Phillips disse que não desejava entrar nos detalhes do que havia acontecido entre ela e Moore.

    Ela disse que desejava que McCrummen garantisse que o artigo resultaria na derrota de Moore, de acordo com uma gravação. Mas McCrummen começou a questioná-la sobre sua história quanto a Moore.

    Phillips se queixou de que o presidente Trump havia apoiado a campanha de Moore.

    "O que eu quero mesmo é que ele seja tirado completamente da corrida", ela disse. "E eu realmente esperava que isso fosse acontecer, e agora não vai. Não sei o que pensar a respeito".

    McCrummen pediu que Phillips confirmasse sua identidade com um documento contendo foto. Ela mostrou uma carteira de motorista da Geórgia.

    McCrummen então perguntou sobre a página do GoFundMe.

    "Temos um processo de verificação de antecedentes, esse tipo de coisa, e há algo que eu quero lhe perguntar", disse McCrummen, pegando a cópia da página e lendo o que continha. "Eu queria perguntar se você tem como explicar isso, e de informar, Jaime, de que você está sendo gravada em áudio e vídeo".

    "Está bem", disse Phillips. "É, eu estava procurando emprego em Nova York no ano passado, mas não deu certo", disse Phillips. "Eu ia trabalhar para o Daily Caller, mas não deu certo, e não consegui".

    Perguntada sobre quem a havia entrevistado no Daily Caller, ela respondeu: "Kathy", e depois fez uma pausa e acrescentou o sobrenome "Johnson".

    Paul Conner, editor executivo do Daily Caller, disse na segunda-feira que não há uma Kathy Johnson entre seus empregados, e que ele não tem registros de que Phillips tenha sido entrevistada. Conner afirmou em e-mail posterior que havia perguntado aos demais editores do Daily Caller e da afiliada Daily Caller News Foundation sobre Phillips.

    "Nenhum de nós entrevistou uma mulher chamada Jaime Phillips", escreveu Conner.

    No restaurante em Alexandria, na quarta-feira, Phillips também disse ao "Washington Post" que não tinha contato com a campanha de Moore. No final da entrevista, Phillips disse a McCrummen que não estava gravando a conversa.

    "Creio que quero cancelar, a essa altura, e não vou levar isso adiante", disse Phillips no Souvlaki Bar, pouco antes de encerrar a entrevista.

    "Não vou responder a outras perguntas", ela disse. "Acho que vou embora".

    Ela apanhou sua bolsa e casaco, deixou o drinque em cima do balcão e saiu do restaurante.

    Às 19h, a página do GoFundMe havia desaparecido, e uma nova página ocupava seu lugar.

    "A campanha está concluída e não está mais ativa", a nova página dizia.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa

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