• Mundo

    Saturday, 28-Sep-2024 16:07:40 -03

    Conheça os fatos por trás dos vídeos anti-islã compartilhados por Trump

    MEGAN SPECIA
    DO "NEW YORK TIMES"

    30/11/2017 17h00

    Na manhã da quarta-feira (29) o presidente Donald Trump provocou indignação internacional quando compartilhou uma série de vídeos mostrando muçulmanos sob ótica negativa.

    Filmados em três países e em três momentos diferentes, os vídeos têm uma coisa em comum: todos afirmam mostrar violência praticada por muçulmanos, e nenhum deles oferece alguma explicação clara do que acontece diante das câmeras.

    Reprodução
    A conta no Twitter do presidente americano Donald Trump com vídeos contra muçulmanos
    A conta no Twitter do presidente americano Donald Trump com vídeos contra muçulmanos

    Mas um olhar mais cuidadoso voltado aos clipes, que foram tuítados originalmente por Jayda Fransen, da organização ultranacionalista Britain First (Reino Unido em Primeiro Lugar), e depois retuítados por Trump, revela que um vídeo representa equivocadamente os fatos do que o espectador vê, enquanto os outros dois não contextualizam o que acontece.

    Segue uma análise do que sabemos sobre os vídeos.

    1. O "migrante muçulmano" espancando um garoto holandês também era holandês

    O primeiro vídeo mostrou um adolescente atacando outro garoto e foi apresentado no tuíte como sendo imagens de um "migrante muçulmano" atacando um jovem holandês.

    Mas, segundo autoridades locais, os dois rapazes são holandeses e nenhum deles é migrante.

    O vídeo foi filmado em maio em Monnickendam, cidade pequena na província holandesa de Holanda do Norte. Ele mostra um adolescente chutando e socando um garoto que segura uma muleta.

    A promotoria pública da província disse que o agressor é um rapaz de 16 anos "nascido e criado na Holanda". Ele foi preso depois de o vídeo vir à tona.

    O vídeo não dá nenhum indício sobre as origens de qualquer dos dois rapazes. Ambos falam holandês no clipe.

    Marleen van Fessen, assessora de imprensa da promotoria pública, disse em comunicado que o agressor foi sentenciado dentro de um programa para infratores menores de idade.

    Ela se negou a falar da religião de qualquer dos rapazes, dizendo que não é política da promotoria comentar essas informações. Mas disse que a divulgação rápida do vídeo sem os fatos é nociva.

    "As notícias se espalham rapidamente, mesmo notícias locais", ela disse. "Quando falta o contexto de uma informação, está claro que isso pode prejudicar sua confiabilidade."

    Na tarde da quarta-feira, a conta de Twitter oficial da embaixada da Holanda nos Estados Unidos chamou a atenção do presidente para os fatos do caso. ".#realDonaldTrump. Os fatos têm importância. O perpetrador do ato violento visto neste vídeo nasceu e foi criado na Holanda. Ele recebeu e completou sua sentença conforme o previsto na lei holandesa."

    Não está claro de onde veio a versão dos fatos apresentada por Fransen quando ela tuítou o vídeo na manhã de quarta-feira com a legenda "migrante muçulmano espanca garoto holandês de muletas!". A organização Britain First não respondeu a pedidos de declarações.

    2. Estátua da Virgem Maria destruída por extremista sírio

    O segundo vídeo retuítado por Trump mostra um homem destruindo uma estátua de Nossa Senhora na Síria.

    O tuíte original com o vídeo descreve o homem simplesmente como "muçulmano". Mas ele é um clérigo extremista sírio, Abo Omar Ghabra, que na época integrava o grupo militante islâmico Jabhet al-Nusra. A destruição de iconografia religiosa realizada por grupos extremistas islâmicos é condenada há anos pela população muçulmana maior. Esse contexto não é mostrado no tuíte.

    O incidente ocorreu em outubro de 2013 em Qunaya, um vilarejo na zona rural norte da província síria de Idlib, segundo Nazir Abdo, 28, que vivia no povoado na época.

    Abdo hoje trabalha como ativista de mídia que documenta violações dos direitos humanos na Síria. Ele foi contatado na Turquia pelo telefone. Disse que o clérigo mais tarde ingressou na milícia terrorista Estado Islâmico, em Raqqa, mas fugiu quando a cidade foi capturada por forças apoiadas pelos Estados Unidos. Ghabra acabou sendo detido por rebeldes sírios em Aleppo.

    Antes desse incidente, militantes do Jabhet al-Nusra destruíram a golpes de machado outra estátua de Nossa Senhora na rotatória principal da cidade. Mais tarde, hastearam sua bandeira no local.

    As imagens de Ghabra foram circuladas amplamente por vários grupos em 2013, incluindo a emissora noticiosa estatal iraniana Al Alam e o site de direita InfoWars, de Alex Jones, que frequentemente propaga rumores e teorias conspiratórias. O vídeo continuou a ser retransmitido no mundo das emissoras e dos sites antimuçulmanos e de extrema direita e dos ativistas da mídia conservadora.

    3. Homem sendo empurrado do alto de um prédio no Egito

    O último clipe retuítado por Trump foi descrito no tuíte original como "turba islâmica empurra adolescente de um telhado e o espanca até a morte!".

    As imagens foram filmadas em 5 de julho de 2013, durante choques no bairro de Sidi Gaber, em Alexandria, no Egito, entre partidários de Mohammed Mursi, que havia sido afastado havia pouco da Presidência para a qual fora eleito democraticamente, e seus adversários. Essa informação estava faltando no tuíte, assim como qualquer explicação da situação política complexa vigente no Egito na época.

    O incidente ocorreu dias depois de as forças armadas egípcias terem deposto Mursi, num momento em que as tensões estavam em alto nível em todo o espectro político.

    Após a derrubada de Mursi ocorreu uma onda de enfrentamentos em diferentes pontos do país entre seus partidários, seus adversários e a polícia. Essa violência foi superada mais tarde pela ação dos militares ao dispersar protestos islâmicos no Cairo em agosto daquele ano, em que 800 manifestantes foram mortos em um único dia.

    Um homem é visto no segundo plano do vídeo carregando uma bandeira negra, que inicialmente era usada por muitos partidários de diferentes grupos islâmicos, até tornar-se sinônimo do Estado Islâmico.

    O homem com a bandeira negra, Mahmoud Ramadan, foi condenado pela morte de um dos adolescentes empurrados do telhado; ele foi enforcado em março de 2015. Acredita-se que os adolescentes sobre o telhado estavam atirando pedras nos manifestantes antimilitares, o que pode ter provocado o ato de violência capturado no vídeo, segundo a mídia estatal egípcia.

    Embora o vídeo claramente mostre um ato de violência, tuitá-lo sem fornecer o contexto dos fatos não leva em conta a agitação política daquele momento e as ações das muitas partes envolvidas, movidas por suas filiações políticas.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024