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    Fugido da guerra, abrigado em Uganda vira tradutor de ONG médica

    BRUNA TIUSSU
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BIDI BIDI (UGANDA)

    03/12/2017 02h00

    Todos os dias, Banga Victor, 37, veste seu uniforme, sua sandália rasgada e chega pontualmente às 8h no posto de saúde da zona 3 de Bidi Bidi. Passa o dia se revezando entre as seis línguas que domina para ajudar na triagem dos pacientes que aguardam em filas.

    Alguns poucos são ugandenses, enquanto a maioria tem a mesma origem dele: o Sudão do Sul. "Fico feliz em poder ajudar a minha gente. E o trabalho facilita esquecer tudo o que passei até chegar aqui", desabafa.

    Ele, um dos 62 refugiados entre os 225 funcionários da Real Medicine Foundation no assentamento, deixou Yei, sua cidade natal, em 5 de outubro de 2016 após passar dez dias preso para averiguação.

    Viajou três dias com os pais, a mulher e o filho de dois anos, alimentando-se apenas das mandiocas que havia colhido na horta de casa, até chegarem à Uganda.

    Na recepção do assentamento, conseguiu falar com o irmão que ficou, e soube que homens do governo haviam invadido sua casa um dia após sua partida.

    "Eles desconfiaram que eu apoiava os rebeldes porque trabalhava com internet e impressão de fotos. Na verdade não é preciso fazer nada para que pensem assim."

    Quando decidiu deixar o país, Victor pôs numa mala um computador, uma câmera e uma impressora. A ideia era começar um pequeno negócio de fotografia em Bidi Bidi e refazer a vida. A bagagem, porém, foi roubada ainda no centro de recepção.

    A vaga de intérprete ele conseguiu um mês depois. O emprego lhe rende 200 mil shillings ugandenses por mês (US$ 55), gastos para complementar a alimentação da família, ajudar os pais e um irmão diabético que também mora em Bidi Bidi com duas esposas e nove filhos.

    Para economizar, Victor não almoça. Sai de casa pela manhã com uma xícara de chá preto no estômago e só come ao voltar, às 18h. Também começou a plantar sementes de vegetais em sacos doados pela Cáritas, uma alternativa ao solo pouco fértil.

    Ele ainda quer juntar dinheiro para trazer a irmã que ficou em Juba. Depois, seu objetivo é conseguir comprar um pequeno terreno em Uganda. "Desde pequeno eu vivo num ambiente de guerra. Não quero que meus filhos sofram o que eu sofri."

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