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    Jerusalém se tornou palco de conflitos no século 20

    SEWELL CHAN
    IRIT PAZNER GARSHOWITZ
    DO "NEW YORK TIMES"

    06/12/2017 14h41

    Em dezembro de 1917 —há 100 anos este mês—, o general britânico Edmund Allenby capturou Jerusalém de seus defensores turcos otomanos. Desmontando de seu cavalo, ele entrou a pé na Cidade Velha, pelo portão de Jaffa, em respeito ao seu status sagrado.

    Nos cem anos transcorridos desde aquele dia, Jerusalém foi disputada de diversas maneiras, não só por judeus, cristãos e muçulmanos mas entre potências externas e, é claro, pelos israelenses e palestinos, na era moderna.

    Talvez seja apropriado que o presidente Donald Trump pareça ter escolhido esta semana para anunciar que os Estados Unidos reconhecerão Jerusalém como capital de Israel, apesar das preocupações de líderes de países árabes, da Turquia e até mesmo de aliados próximos como a França.

    Os conflitos quanto a Jerusalém têm uma história de milhares de anos —da era bíblica ao império romano e às cruzadas—, mas o conflito atual é uma história distintamente do século 20, com raízes no colonialismo, nacionalismo e antissemitismo. O "New York Times" solicitou a diversos especialistas que explicassem aos leitores os diversos momentos decisivos dos últimos 100 anos.

    1917-1948: O MANDATO BRITÂNICO

    "Foi para os britânicos que Jerusalém se provou muito importante. Foram eles que estabeleceram Jerusalém como capital", disse Yehoshua Ben-Arieh, geógrafo histórico da Universidade Hebraica. "Antes disso, a cidade não havia sido capital de ninguém desde a era do primeiro e do segundo templos".

    E as três décadas de domínio britânico que se seguiram ao ingresso de Allenby em Jerusalém viram um influxo de colonos judeus atraídos pela visão sionista de uma pátria para os judeus, enquanto a população árabe se ajustava à realidade do colapso do Império Otomano, que controlava a cidade desde 1517.

    "Paradoxalmente, o sionismo tentou manter distância de Jerusalém, especialmente da Cidade Velha", disse Amon Ramon, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Política de Jerusalém. "Primeiro porque a cidade era encarada como símbolo da diáspora, e segundo porque os lugares sagrados do cristianismo e do islamismo eram vistos como complicações que poderiam impedir a criação de um Estado judeu com Jerusalém como capital".

    Muitos dos primeiros sionistas eram europeus laicos e socialistas, motivados mais por preocupações quanto a nacionalismo, autodeterminação e fuga à perseguição do que por visões religiosas.

    "Jerusalém era vista como antiquada, como regressão a uma cultura conservadora da qual estávamos tentando nos afastar", disse Michael Dumper, professor de política do Oriente Médio na Universidade de Exeter, Inglaterra. "Tel Aviv era a nova e reluzente cidade na colina, e encapsulava a modernidade".

    Para os árabes, ele disse, "ainda havia algum choque por não serem mais parte do Império Otomano. Houve um reordenamento de sua sociedade. A aristocracia palestina local, as grandes famílias de Jerusalém, emergiu como líder do movimento nacional palestino, que subitamente se via confrontado pela imigração judaica".

    A oposição à imigração causou diversos tumultos mortíferos promovidos pelos palestinos, enquanto os judeus se acomodavam mal ao domínio britânico e às restrições de imigração impostas em 1939 —restrições que impediram que muitos judeus que fugiam ao Holocausto ingressassem na Palestina.

    Depois da guerra, em 1947, as Nações Unidas aprovaram um plano de partilha que estabeleceria dois Estados —um judeu, um árabe—, e no qual Jerusalém seria governada por um "regime internacional especial", devido ao seu status único.

    1947- AFP
    Dois funcionários britânicos observam Jerusalém do telhado de uma casa em 1947
    Dois funcionários britânicos observam Jerusalém do telhado de uma casa em 1947

    1948-1967: UMA CIDADE DIVIDIDA

    Os árabes rejeitaram o plano de partilha, e um dia depois que Israel proclamou sua independência, em 1948, os países árabes atacaram o novo Estado. Foram derrotados. Em meio a violências promovidas por milícias e turbas de ambos os lados, grandes números de judeus e de árabes tiveram de deixar suas moradias.

    Jerusalém foi dividida: a parte oeste foi integrada ao novo Estado de Israel (do qual se tornou capital sob uma lei israelense aprovada em 1950), e a metade leste, incluindo a Cidade Velha, foi ocupada pela Jordânia. "Para os palestinos, era um foco de união", disse Dumper.

    Israel e Jordânia, ele disse, concentravam suas atenções em outras áreas. Israel ampliou suas prósperas áreas costeiras —entre as quais Haifa, Tel Aviv e Ashkelon— e fez delas uma zona comercial próspera, enquanto o rei jordaniano Abdullah 1º se concentrava no desenvolvimento de Amã, a capital jordaniana.

    O Estado de Israel, em seus primórdios, hesitava em dar atenção demais a Jerusalém, por conta da pressão das Nações Unidas e das potências europeias, de acordo com Issam Nassar, historiador da Universidade Estadual de Illinois.

    Hans Pin - 30.nov.1947/Israeli Government Press Office/Reuters
    Judeus comemoram em Jerusalém a decisão da ONU de dividir a Palestina
    Judeus comemoram em Jerusalém a decisão da ONU de dividir a Palestina

    1967-1993: DUAS GUERRAS E UMA INTIFADA

    Nenhum outro evento influenciou mais a moderna disputa por Jerusalém do que a guerra árabe-israelense de 1967 (Guerra dos Seis Dias), na qual Israel não só derrotou a invasão dos exércitos árabes mas também tomou o controle da Faixa de Gaza e da Península do Sinai, do Egito; da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, da Jordânia; e das colinas de Golan, da Síria.

    "Duas coisas mudaram fundamentalmente em 1967: houve uma grande vitória, que incluiu uma rápida virada do medo de derrota, antes da guerra, para a euforia e a sensação de que tudo era possível, depois; e o impacto emocional de ocupar a Cidade Velha, também muito forte", disse Menachem Klein, cientista político da Universidade Bar-Ilan, em Israel.

    Imagens de soldados israelenses orando diante do Muro das Lamentações de Jerusalém, ao qual o acesso lhes era negado nos anos de domínio jordaniano, se tornaram parte da consciência nacional israelense.

    "Jerusalém se tornou centro de uma devoção intensa, quase um culto, que na realidade não existia anteriormente", disse Rashid Khalidi, professor de estudos árabes modernos na Universidade Colúmbia. "E isso agora se tornou um fetiche em grau extraordinário, porque a linha dura religiosa nacionalista ganhou domínio sobre a política israelense, e o Muro das Lamentações de Jerusalém é o foco disso".

    A vitória do partido Likud, de direita, em 1977, sob a liderança de Menachem Begin, ajudou a solidificar essa nova ênfase em Jerusalém como peça central da identidade de Israel. Os colonos religiosos se tornaram mais proeminentes na vida política de Israel, dando início a uma longa ascendência que jamais foi revertida. Os socialistas da velha guarda, com raízes na Rússia e Europa Oriental, deram lugar a uma população muito mais diversa —e também mais religiosa— de israelenses com origem no Oriente Médio, África do Norte e outras regiões.

    Como parte dessa mudança, Jerusalém ganhou importância simbólica. Seu papel na história judaica foi enfatizado em paradas militares e nos currículos escolares, e estudantes de Israel inteiro eram levados a conhecer a cidade em visitas escolares. O processo culminou em 1980, quando os legisladores aprovaram um projeto de lei que afirma que "Jerusalém, completa e unida, é a capital de Israel" —ainda que Israel não tenha anexado Jerusalém Oriental abertamente, o que certamente teria causado indignação internacional.

    1993-2017: O ACORDO DE OSLO, E MAIS

    O acordo de Oslo, em 1993, previa a criação de uma Autoridade Palestina que governaria a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, e postergava a solução de questões centrais: o traçado das fronteiras, os refugiados e o status de Jerusalém. Nos quase 25 anos transcorridos desde então, a perspectiva de um acordo de paz duradouro vem parecendo cada vez mais distante.

    Uma visita do político direitista Ariel Sharon, em 2000, ao complexo de locais sagrados conhecido Esplanada das Mesquistas, que os judeus chamam de Monte do Templo e os muçulmanos de Nobre Santuário —ele abriga a mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha— gerou confronto violentos e causou um segundo levante palestino, que custou as vidas de cerca de três mil palestinos e mil israelenses, em cinco anos.

    Os palestinos dizem que colonos judeu se infiltraram em Jerusalém Oriental e que Israel agravou o problema ao revogar licenças de residência. Mesmo assim, a composição étnica de Jerusalém continua a incluir entre 30% e 40% de moradores árabes.

    "A comunidade internacional inteira concorda em que a anexação e colonização de Jerusalém Oriental por Israel, depois de 1967, é ilegal, e se recusa a reconhecer Jerusalém como capital israelense", disse Khalidi. "Se Trump mudar essa posição, dada a importância de Jerusalém para os árabes e muçulmanos, é difícil ver como um acordo sustentável entre israelenses e palestinos ou uma normalização duradoura entre árabes e israelenses será possível".

    Ben-Arieh diz que o conflito quanto à cidade deve perdurar. "O conflito entre árabes e judeus se tornou um conflito nacionalista, e Jerusalém tem posição central nele", ele disse. "Jerusalém era uma cidade sagrada para três religiões, mas o momento em que duas nações cresceram na terra de Israel —o povo judeu e o povo árabe local—, as duas tomaram Jerusalém como símbolo. Elas precisam de Jerusalém mais do que Jerusalém precisa delas".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Editoria de Arte/Folhapress

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