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    OPINIÃO

    Antes invencível, Merkel agora está à sombra de Macron

    PHILIP STEPHENS
    DO "FINANCIAL TIMES"

    13/01/2018 02h00

    John Thys - 14.dez.17/AFP
    Macron conversa com Merkel durante a foto oficial de reunião da União Europeia em Bruxelas

    Quanto tempo até ele marchar sobre Moscou? A reação em Berlim às ambições europeias de Emmanuel Macron pode não ser positiva. Vale recordar que Macron não seria o primeiro líder francês a se deixar levar por seu próprio discurso grandiloquente. Quem se lembra de Nicolas Sarkozy prometendo uma grande "ruptura" para restaurar a liderança francesa?

    Nesta semana vimos Macron brincando no palco internacional durante uma visita de Estado à China. A Europa está de volta, ele disse a seu anfitrião, Xi Jinping. Quando diz "Europa", ele quer dizer a França. Quer seja com Donald Trump, Vladimir Putin ou Xi Jinping, Macron dominou o papel de estadista-diretor de cúpulas.

    A alusão mordaz a Napoleão revela tanto sobre a política alemã quanto sobre a França. Dá para entender porque os políticos alemães podem se irritar. A energia política vista em Paris contrasta com a estase em Berlim. Antes era Merkel quem falava em nome da Europa em Pequim. Desde setembro ela está de castigo, tentando conseguir uma maioria governante no Parlamento.

    É verdade que os alemães se queixam há muito tempo da ausência de um parceiro sério em Paris: o hiperativo Sarkozy foi seguido por François Hollande, aquele que achava melhor não fazer nada. Berlim se acostumou a redigir a agenda da Europa. Agora Macron tem o palco apenas para ele. A primeira-ministra britânica Theresa May não tem tempo para nada a não ser o "brexit". A Itália enfrenta uma eleição complicada. A Espanha foi convulsionada pela crise da Catalunha.

    Por mais que há alguns meses Merkel parecesse invencível, hoje ela não está mais em condições de definir o futuro. Quer comande uma coalizão ou um governo minoritário, ela vive o crepúsculo de seu tempo como chanceler. Se o alinhamento dos astros for favorável, é possível que ela chegue ao fim de um mandato de quatro anos. Seus colegas de partido duvidam disso. Dois anos parece um prazo mais provável.

    Merkel, agora com as mãos atadas, e o hiperdinâmico Macron refletem seus respectivos eleitorados. O francês recebeu dos eleitores um mandato para para colocar em prática a revolução modernizadora que Sarkozy nunca realizou. Enquanto isso, a mensagem da eleição alemã foi que os eleitores querem manter o status quo.

    Quando Merkel abriu as fronteiras do país aos refugiados sírios, em 2015, os eleitores alemães a apoiaram. Foi a coisa certa e humanitária a fazer. Mas já chega. A chanceler foi reconduzida ao cargo com um mandato apenas condicional. Quase 13% votaram pela islamofobia do partido de direita Alternativa para a Alemanha.

    Nada mudou desde que, no ano passado, a chanceler declarou que o nacionalismo raivoso de Donald Trump exigia da Alemanha e da Europa maior responsabilidade por sua própria segurança. Mas Merkel não buscou nem recebeu um mandato para levar adiante essa política externa mais ativista. Agora ela não pode se queixar do fato de a Alemanha ter se voltado para o próprio umbigo.

    Nada disso é notícia muito boa para Macron. Os alemães são pró-europeus por seu próprio temperamento, o que não significa que estejam dispostos a abraçar a visão da França de uma integração mais profunda. Basta mencionar uma reforma da zona do euro e a reação mais comum é ver nisso um complô para obrigar a Alemanha a pagar pelo perdularismo alheio.

    Isto dito, seria um equívoco imaginar que o plano proposto por Macron será rasgado. Os alemães têm razões próprias para buscar uma colaboração mais profunda na UE. Merkel precisa de um acordo europeu amplo sobre refugiados seja suficientemente forte para evitar que os fatos de 2015 se repitam.

    É claro que tudo depende da capacidade de Macron de implementar reformas domésticas. Não faltam profetas que prevejam que a França reacionária ainda vai se reafirmar. O que passa despercebido dos céticos é aquilo que Macron entendeu melhor: que a modernização diz respeito tanto à psicologia quanto à legislação.

    A Alemanha está virando prisioneira de sua prosperidade. Por estranho que possa ser dizer isso, a França pode estar prestes a abraçar o futuro.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    Edição impressa
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