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    Leonardo Coutinho: Miguel e a esmagadora minoria

    05/02/2014 03h00

    A imagem da chegada do Miguel, quinto filho do governador Eduardo Campos (PSB-PE), sozinha já é linda. Com poucas horas de vida o bebê está no colo do pai num aconchego total, com a mão esquerda espalmada sobre o peito paterno e de alguma maneira sorrindo satisfeito. Ao fundo, pela vitrine da maternidade, amigos e familiares juntos aos quatro irmãos do rebento dando as boas vindas.

    No texto publicado nas redes sociais o pai confirma o que já era pré-diagnosticado há algum tempo: Miguel tem síndrome de Down. Na família a notícia foi recebida como mais uma característica que faz o novo membro muito especial. Um de seus irmãos foi definitivo: "Miguel nasceu na família certa".

    É tão emocionante quanto simbólico que uma figura pública como o governador do Pernambuco e pré-candidato à Presidência da República venha a público falar da deficiência do filho. Muitas deficiências, mentais ou físicas, ainda são tabus na sociedade, não obstante o número de pessoas portadoras. No Brasil são 45 milhões, ou mais ou menos uma em cada quatro pessoas. Isto é: é possível dizer, das famílias, que diferente é aquela que não tem um membro com alguma deficiência.

    Ainda assim eles são uma minoria. Entre os 513 deputados federais eleitos para esta legislatura, apenas três são cadeirantes e entre os demais poucos abraçam a defesa da causa. As urnas, porém, confirmam a enorme demanda que há na sociedade por uma agenda pública nacional em torno do tema. Em dois exemplos, posso citar primeiro a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP). Quando reeleita vereadora em São Paulo, foi a mulher mais votada do Brasil, com 79.912 votos, e dobrou este número na eleição para deputada federal. Seu colega Romário (PSB-RJ) teve 146.859 votos na estreia, totalizando impressionantes 1,84% do colégio eleitoral fluminense. Futebol? Não parece. Bebeto, seu parceiro na Copa de 1994 e candidato pelo PDT-RJ, recebeu 28.328 votos para deputado estadual. Mara e Romário têm uma coisa em comum: a atuação política pessoalmente relacionada à defesa dos direitos da pessoa com deficiência: ela é tetraplégica e ele pai da Ivy, que assim como o Miguel tem síndrome de Down. Todos lembramos da camiseta com a mensagem comemorativa: "Eu tenho uma filhinha down que é uma princesinha".

    Mas se os parlamentares são poucos, quando se fala em eleição majoritária o abismo fica ainda maior. Tente se lembrar de um só candidato a prefeito, governador ou presidente portador de deficiência no Brasil. E no mundo? Espero estar enganado, mas o último foi o Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos entre 1933 e 1945, que num acordo tácito com a imprensa escondia do público a paralisia provocada pela poliomielite.

    Os americanos, especialistas em marketing político, insistem que o homem que tirou os Estados Unidos da Grande Depressão e ajudou a salvar o mundo do nazismo não teria sido eleito quatro vezes se a televisão tivesse chegado antes dos anos 1950, porque não conseguiria esconder a limitação física do grande público. E podem estar certos.

    Setenta anos depois temos um mundo diferente. Mas ainda é preciso avançar. A garantia de direitos, que incluem a oferta de serviços públicos especiais para pessoas especiais, ainda está muito abaixo da demanda. A chegada do Miguel deve enfim influenciar a pauta eleitoral. Até porque está claro que só falta uma opção para esta esmagadora minoria eleger um líder diretamente sintonizado com a agenda da defesa da causa.

    LEONARDO COUTINHO, 35, é jornalista

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