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    Economia frágil no Brasil resulta do cenário externo? Sim

    LUIZ GONZAGA BELLUZZO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    08/02/2014 03h00

    TEDIOSA REITERAÇÃO

    Fatores externos vs. fatores internos. Essa dicotomia não parece adequada para avaliar o ambiente econômico em que tentamos sobreviver.

    O mundo de hoje foi construído pela relação entre quatro processos complementares: 1) a liberalização financeira que, desde os anos 80, submeteu os países às peripécias da movimentação desimpedida do capital-dinheiro; 2) o movimento da grande empresa manufatureira transnacional para ocupar espaços "competitivos"; 3) a centralização do controle do capital financeiro e produtivo à escala global; 4) as políticas dos Estados soberanos que buscavam empreender estratégias de desenvolvimento.

    Tais condições "externas" colocaram o Brasil e sua dotação de recursos naturais –água, energia, terras agriculturáveis, base mineral– em posição simultaneamente promissora e perigosa.

    A situação internacional benigna dos primeiros anos do terceiro milênio associou os preços das commodities ao influxo de capitais atraídos pelos diferenciais de juros e expectativas de valorização continuada do câmbio.

    O câmbio valorizado, os juros de agiota, as tarifas caras dos insumos de uso geral e a carga tributária onerosa já maltratavam a indústria, mas os padecimentos foram compensados pelo crescimento do comércio internacional e pelos bons ventos da demanda doméstica, impulsionada pelas políticas sociais, sobretudo pelos reajustes do salário mínimo.

    A bonança perdurou até 2008. O Brasil condescendeu, no entanto, com perda de competitividade de sua indústria de transformação. Foi generalizada a progressão dos deficit comerciais na maioria dos setores industriais.

    Em 2006, o saldo da indústria ainda era positivo: US$ 29,8 bilhões. Já em 2013, o resultado alcançaria valor negativo de US$ 59,7 bilhões.

    Depois da rápida e eficaz reação à crise, a liquidez internacional abundante da "guerra de moedas" deu novo fôlego à valorização cambial. Nesse momento, o governo tentou ajustar os juros e promover uma prudente desvalorização cambial, mas foi obstado pelo "pessimismo" dos mercados que faziam previsões catastróficas a respeito da inflação e clamavam por um superavit primário mais elevado, ameaçando com saltos na curva de juros.

    Os ditos "emergentes" de moeda não conversível estão sujeitos às "paradas súbitas". Em sua tediosa reiteração, esses fenômenos castigam os países que entregam o destino da economia nacional aos caprichos e humores da finança.

    Até o mundo mineral sabe que os movimentos de capitais dos países desenvolvidos para os emergentes são e sempre foram pró-cíclicos, para desgosto dos que creem em modelos mais tolos do que inúteis.

    Tal é a configuração das relações entre os fatores internos e externos. Desconfio que envolvam relações de poder. Esse arranjo, ao golpear a indústria, dedica-se a produzir a fragilização estrutural da economia brasileira.

    Percorremos o caminho inverso dos chineses, que abriram a economia para as importações redutoras de custos e mantiveram o controle do câmbio e do crédito. A abertura às importações e ao investimento estrangeiro estava, portanto, comprometida com os ganhos de produtividade voltados para aumento das exportações e sustentados pela graduação tecnológica.

    As relações importações/exportações faziam parte das políticas industriais, ou seja, do projeto que combinava o avanço das grandes empresas nacionais, agora preparadas para crescer nos mercados globais, e a proteção do mercado interno.

    LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 71, é diretor da Facamp (Faculdades de Campinas) e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo José Sarney)

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