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    Luiz Antonio Marrey e Roberto Livianu: Impunidade à vista

    13/02/2014 03h00

    As ideias do movimento iluminista representam um divisor de águas na história da civilização, especialmente no campo punitivo.

    Até então, a pena de morte era a regra e determinada sem critério pelos humores e vontade absolutista do monarca, sem processo, sem contraditório e sem preocupação qualquer com o direito de defesa. Tínhamos a própria negação de um direito penal. Poder ilimitado do rei diante do frágil povo.

    O Iluminismo revolucionou o tema e apresentou um novo modelo social e jurídico-penal instituindo limites ao poder punitivo, consolidando a ideia de John Locke da dispersão do poder como essencial para a cidadania e eficiência do Estado.

    A essência da tripartição do Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) se vê presente até hoje em nossa Constituição, que, em 1988, investiu o Ministério Público (MP) no papel de defensor jurídico do povo, incumbindo-o de concretizar a cidadania social.

    Entre os papeis entregues ao MP, presente no Brasil há mais de 400 anos, destaca-se a defesa do patrimônio público e a promoção da ação penal pública, dentro do devido processo penal democrático. Esse cenário, construído num processo legislativo legítimo e democrático, gerou referência coloquial ao MP como o quarto poder, independente e fiscal dos demais.

    Os que atuamos no MP somos bem fiscalizados pelo povo, pelo Judiciário, pela imprensa, pelos advogados, pelas corregedorias, pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Se erramos, somos punidos.

    No entanto, mesmo após a histórica rejeição da PEC 37 (proposta de emenda constitucional), que reafirmou o poder de investigação criminal do MP, em respeito à voz das ruas, que pugnou pela melhoria do controle da corrupção no Brasil, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) editou, no apagar das luzes de 2013, uma resolução que, ao arrepio da Constituição Federal, impede o livre exercício funcional do MP e da polícia para apurar crimes eleitorais.

    A resolução nº 23.396/13 exige que promotores e policiais peçam ao Judiciário para trabalhar realizando investigações sobre crimes eleitorais, como se fossem subordinados a ele. Um retorno ao absolutismo.

    Essa resolução, ente normativo não proveniente do processo legislativo democrático, mas da caneta de magistrados eleitorais, torna letra morta a Constituição e a legislação infraconstitucional, como, por exemplo, o Código Eleitoral brasileiro, lei federal.

    Magistrados aplicam leis. Não podem criá-las. Quem cria leis é o Poder Legislativo. As disciplinas do MP e da polícia no Brasil não podem provir de resoluções do TSE.

    Num país em que o índice de punição por crimes eleitorais é baixo, em que o abuso do poder econômico é realidade secular, em que é elevada a percepção da corrupção, que, ademais, aniquila o sistema público de educação, saúde e segurança, qual lógica justifica o bloqueio do livre trabalho do MP e da polícia na apuração de crimes eleitorais, já que as normas sempre devem visar o bem comum? Com a palavra, o TSE.

    LUIZ ANTONIO GUIMARÃES MARREY, 58, é procurador de Justiça Criminal, ex-procurador-geral de Justiça em São Paulo e ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático
    ROBERTO LIVIANU, 45, é promotor de Justiça, coordenador nacional da campanha Não Aceito Corrupção e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático

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