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    A manobra de Azeredo

    21/02/2014 03h30

    Ainda que motivos pessoais tenham contribuído para a decisão, a renúncia de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a seu mandato de deputado federal tem indisfarçáveis propósitos políticos e jurídicos.

    Ex-presidente do PSDB e ex-governador de Minas Gerais, Azeredo é acusado de desviar recursos públicos para abastecer sua campanha ao governo mineiro, em 1998. Mediante contratos fraudulentos e empréstimos dissimulados, pelo menos R$ 3,5 milhões foram parar nos cofres tucanos, sustenta o Ministério Público Federal.

    Com a participação do famigerado publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado no julgamento do mensalão petista, o esquema teria sido "a origem e o laboratório" dos crimes cometidos anos depois, no governo Lula.

    Pela recorrência de personagens e semelhança nos métodos de desvio –embora não no que respeita à finalidade–, o episódio ficou conhecido como mensalão tucano, ou mineiro. A Procuradoria-Geral da República denunciou o caso em 2007; em 2009, a ação foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal, onde estava prestes a ser julgada.

    "Estava" porque, com a renúncia –um direito seu–, Azeredo criou um problema para o relator, Luís Roberto Barroso. O processo do tucano deve ser analisado pelo STF, uma prerrogativa ligada ao cargo de deputado, ou deve ser remetido à primeira instância da Justiça, o que retardaria seu desfecho?

    Situações análogas já foram decididas de formas divergentes. Em 2007, o então deputado federal Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) abriu mão do mandato pouco antes de seu julgamento por tentativa de homicídio. Por 7 a 4, a corte resolveu enviar os autos a João Pessoa.

    Três anos depois, a maioria dos ministros tomou caminho oposto ao apreciar o caso do hoje recém-cassado Natan Donadon (ex-PMDB-RO). Por 8 a 1, prevaleceu o entendimento da ministra Cármen Lúcia, de que a renúncia se tratava de "fraude processual inaceitável". O próprio STF, no ano passado, condenou o deputado por formação de quadrilha e peculato.

    Vê-se que o exame pelo Supremo não favorece a impunidade, como por vezes se pensa do "foro privilegiado". Não há benefício em ser julgado por instância única, e o foro especial existe para assegurar a imparcialidade diante de figuras de peso político. Tribunais superiores, em tese, estão mais protegidos contra pressões.

    Vale lembrar, ademais, que, no âmbito do Legislativo, diversos parlamentares abdicaram do cargo para escapar de punições. O escárnio gerou justificadas reações da sociedade e, em 2010, a Lei da Ficha Limpa tornou inelegível quem renunciar para fugir da cassação.

    Não é difícil ver que a manobra de Eduardo Azeredo tem o intuito de atrasar a análise do mensalão tucano, minimizando seus efeitos político-eleitorais. É natural que seja essa a sua preocupação. A do STF, entretanto, deve ser a de fazer a justiça andar.

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