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    Maria Laura Canineu: O falso socorro policial

    22/03/2014 03h00

    Baleada, jogada no porta-malas de um carro da polícia e, em seguida, arrastada por mais de 250 metros no asfalto, o "socorro" policial de Cláudia Ferreira da Silva tem causado justificada indignação Brasil afora.

    Os policiais envolvidos no "socorro" alegam que a mulher de 38 anos de idade, residente da favela Madureira, no Rio de Janeiro, foi colocada no porta-malas do carro para que pudessem salvá-la. Ela chegou ao Hospital Estadual Carlos Chagas, porém, já sem vida.

    Autoridades públicas tiveram que agir rapidamente. O comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro disse que a conduta dos policiais não foi condizente com o compromisso da corporação com a preservação da vida e da dignidade humana. O governador do Estado, Sérgio Cabral, declarou que o comportamento dos policiais foi "abominável" e a presidente Dilma Rousseff manifestou solidariedade à família de Cláudia. Os três policiais aguardam ao julgamento em liberdade.

    No entanto, as declarações das autoridades e a investigação em curso sobre a morte de Cláudia Ferreira não amenizaram a revolta da sociedade e as fortes críticas às forças policiais do Rio de Janeiro. Por quê?

    Uma provável razão é que a população sabe que o caso de Cláudia Ferreira, apesar de especialmente chocante, não é isolado. O falso socorro é uma técnica conhecida de acobertamento de homicídios cometidos por policiais. Nesses casos, eles levam os cadáveres de suas vítimas a hospitais sob o falso pretexto de resgatá-las, destruindo provas e prejudicando a perícia.

    Desse modo, ainda que a instauração de um inquérito sobre as circunstâncias da morte de Cláudia Ferreira seja encorajadora, as autoridades do Rio ainda não propuseram medidas concretas para evitar os falsos socorros e outras formas de acobertamento por policiais.

    Nessa questão, o Estado de São Paulo deu um grande passo. Em janeiro de 2013, a Secretaria de Segurança Pública determinou que policiais acionem imediatamente a equipe do resgate do Samu (Serviço de Atendimento Médico de Urgência) ou o serviço local de emergência para prestar atendimento imediato às vítimas de confrontos. Essa medida impede que a polícia remova as vítimas dos locais onde foram baleadas, a não ser na ausência de serviços de saúde de emergência ou com a autorização expressa do Copom (Centro de Operações da Polícia Militar). Nos meses seguintes à edição da medida, os homicídios policiais no Estado caíram quase 40%.

    O Rio também tem implementado várias medidas com o potencial de promover um policiamento mais eficaz e reduzir os abusos, incluindo um programa que concede uma compensação financeira a policiais que cumprirem metas de redução de criminalidade e violência, incluindo homicídios.

    Tal programa foi levado em consideração na concepção de políticas semelhantes em outros Estados, inclusive São Paulo, que enviou recentemente um projeto de lei para a Assembleia Legislativa para obter financiamento para o seu próprio sistema de metas, após meses de discussão com especialistas em segurança pública.

    No entanto, as execuções extrajudiciais por policiais e a impunidade permanecem sérios problemas em ambos os Estados. Os respectivos governos devem urgentemente redobrar esforços para acabar de uma vez por todas com o abuso policial.

    Para isso, poderiam aprender um com o outro. Para São Paulo, isso significa garantir que todos os homicídios dolosos, cometidos por criminosos ou por policiais, sejam incluídos nas novas metas de redução de criminalidade. Para o Rio, isso significa seguir o exemplo de São Paulo, exigindo que policiais envolvidos em confrontos entrem em contato imediatamente com as equipes de resgate em vez de transportarem eles mesmos as vítimas para hospitais.

    MARIA LAURA CANINEU é diretora da Human Rights Watch Brasil, ONG que atua na área de direitos humanos

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