• Opinião

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    Editorial: Passo atrás

    31/03/2014 03h00

    A manobra era evidente, e mais de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) apontou o fato sem meias palavras. Tendo renunciado ao mandato de deputado federal há pouco mais de um mês, Eduardo Azeredo (PSDB-MG) conseguiu livrar-se de um iminente julgamento pela corte, que examinaria sua participação no chamado mensalão mineiro, ou tucano.

    Numa espécie de "avant-première" do grande esquema organizado pelo empresário Marcos Valério em benefício do PT, Azeredo foi denunciado por desvio de verbas públicas e lavagem de dinheiro.

    A acusação estipula em 22 anos de prisão a pena cabível em seu caso. Mesmo com a decisão do Supremo, remetendo o julgamento para a primeira instância e na prática atrasando o desfecho do processo, são remotas as chances de que termine em prescrição.

    Talvez por isso a sessão de quinta-feira não repetiu o clima de tempestuosa animosidade que caracterizou o julgamento do escândalo petista. Joaquim Barbosa até denunciou o que haveria, no gesto da defesa, de deboche aos interesses da Justiça. Mas aceitou com serenidade a esmagadora maioria das opiniões em contrário.

    Como ressaltou o relator da ação, Luís Roberto Barroso, existe no STF o entendimento de que a prerrogativa de foro –pelo qual deputados federais e outras autoridades devem ser julgados pelo Supremo– não se aplica quando o acusado renuncia ao próprio cargo.

    A maior polêmica incidiu sobre um detalhe. Em que momento caberia considerar sem efeito tal manobra? Num caso recente, a corte houve por bem contrariar sua posição tradicional sobre o tema. Foi quando o então deputado Natan Donadon (ex-PMDB-RO) desistiu do posto assim que seu julgamento foi incluído na pauta do plenário.

    Tomada na undécima hora, a iniciativa de Donadon tinha componentes nítidos de fraude, uma vez que o renunciante já preparava sua candidatura para o mesmo cargo no pleito seguinte.

    Como evitar, entretanto, a avaliação subjetiva das intenções, pela qual se negou a Donadon o que se concedeu a Azeredo? A proposta de Barroso era a de que se fixasse um ponto específico da tramitação processual, criando critério objetivo para decisões dessa natureza.

    Não se chegou, todavia, a um consenso. Mais que isso, depende de emenda constitucional modificação mais profunda nas regras sobre competência do Supremo.

    A circunstância lastimável é que, com isso, o STF vai se transformando numa espécie de tribunal criminal, enquanto assuntos de alta repercussão econômica e institucional esperam para ser julgados, ao sabor da maestria com que tantos acusados de corrupção sabem escapulir das redes da Justiça.

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