• Opinião

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    Emmanuel Publio Dias: A voz fria, mas clara, das pesquisas

    03/04/2014 03h00

    As pesquisas mostram o que pesquisam, assim como uma fotografia mostra o que foi fotografado. Parece acaciano, mas é preciso repetir, tantas e tão distintas foram as "interpretações" que se seguiram às publicações de duas pesquisas realizadas pelo Ibope nos períodos de 13 a 17 de março (sobre a intenção de voto para presidente) e 14 a 17 do mesmo mês (sobre as avaliações do governo Dilma).

    O fato de que foram feitas na mesma época e com a mesma base amostral não quer dizer nada além disso: foram feitas na mesma época e com a mesma base amostral. São incomparáveis entre si, não podem ser cotejadas nem confrontadas.

    E o que nos dizem, em alto e bom som, essas duas pesquisas?

    Há um distanciamento da grande maioria da população em relação ao processo político e eleitoral, compatível com o momento que estamos vivendo. Afinal, as candidaturas ainda não estão oficialmente postas nem sequer foram percebidas pelo eleitorado. Em tal cenário, se as eleições fossem hoje, a presidente Dilma se reelegeria no primeiro turno.

    As pesquisas apontam, também, que a avaliação da presidente e seu governo vêm caindo forte e consistentemente.

    Como explicar a aparente contradição, se foram feitas na mesma época, pelo mesmo instituto, com a mesma amostra?

    Não há contradição. Os objetivos e objetos são completamente distintos. A primeira pesquisa (de intenção de voto) fala de assuntos que ainda não são do interesse de mais da metade da população. Já no início do questionário, procura-se saber qual o nível de interesse do respondente sobre o assunto "eleições". Apenas 15% dos entrevistados dizem ter "muito interesse", ante sonoros 57% que declaram "pouco ou nenhum interesse". Fora os suspeitíssimos 28% que dizem ter "interesse médio" no assunto.

    Como não têm interesse, não sabem quem serão os candidatos. Nas respostas espontâneas de intenção de voto, apenas 32% do total de eleitores consegue citar algum nome entre os que estão sendo apontados como prováveis candidatos. Mesmo na pergunta estimulada (quando o entrevistado recebe uma cartela com os nomes dos prováveis candidatos), mais de um terço dos eleitores não apontam nome algum, qualquer que seja o cenário. Na simulação de um segundo turno, 34% dos respondentes preferem não escolher candidato.

    Em um cenário em que apenas um dos candidatos é suficientemente conhecido, a intenção de voto transforma-se muito mais numa manifestação de "recall" (lembrança) que em real e decidida escolha.

    Supondo que os eleitores com mais anos de educação formal têm mais interesse no assunto que o total dos eleitores, é interessante notar que entre eles Dilma não venceria no primeiro turno. A presidente chegaria a perder para Marina Silva num hipotético segundo turno, situação em que nem ela nem Marina teriam mais votos que o percentual de eleitores que preferiram não se manifestar (38%).

    As eleições acontecerão ainda no longínquo e desinteressante –para mais da metade do eleitorado– mês de outubro. Daí a importância da segunda pesquisa, que mede a avaliação dos eleitores sobre a presidente Dilma e seu governo.

    Para fazer essa avaliação, é prescindível que o respondente tenha interesse por política e pelo processo eleitoral. As respostas vêm da percepção individual e de grupos sociais, independentemente de sua intenção de voto.

    Por isso, é perfeitamente possível que o eleitor avalie que o governo ou a presidente não estão cumprindo satisfatoriamente seu papel e que, mesmo assim, tenha intenção de reelegê-la. Pode-se inferir que essa escolha ficará cada vez mais difícil, mantendo-se a curva de declínio das avaliações positivas.

    A queda foi substancial. Considerando-se um índice líquido de aprovação –"ótimo/bom" menos "ruim/péssimo", desprezando os indecifráveis "regular"–, a avaliação positiva da presidente Dilma caiu de 23% para 9%. O mesmo índice chegou a 56% antes das manifestações de junho.

    Seguindo o mesmo critério, a avaliação positiva da forma da presidente Dilma administrar o país caiu de 20% para 8%. A expectativa de dias melhores até o final do mandato atual passou de 24 pontos positivos para 8, e o número de eleitores que confiam e não confiam na presidente se equivale.

    A partir daí, a pesquisa CNI Ibope faz avaliações setoriais sobre a atuação do governo Dilma em vários itens que dizem respeito diretamente à vida das pessoas. Em todos os casos a avaliação é negativa, crescentemente negativa. Não é de estranhar, portanto, que dois terços dos eleitores querem que o próximo governo altere "totalmente" ou em "muita coisa" a forma de governar o país.

    Quando se pergunta para toda a base da pesquisa qual candidato teria mais condições de implementar mudanças, 41% indicam a presidente Dilma. Já quando se pergunta diretamente apenas aos que declararam desejar mudanças, apenas 27% esperam que tais transformações aconteçam num governo Dilma.

    Não apenas o mercado e os agentes econômicos mandaram um duro recado ao atual governo nesta semana de indicadores econômicos negativos e altas recordes nas bolsas. Está em curso um ainda lento, mas consistente processo de questionamento ao atual governo e seu projeto de reeleição. Respostas da situação que revertam esse processo ou candidatos de oposição que se identifiquem com as desejadas mudanças determinarão os próximos números das pesquisas e, futuramente, das eleições.

    EMMANUEL PUBLIO DIAS é professor e especialista em marketing político da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

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