• Opinião

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    A sociedade tolera agressão sexual às mulheres? Não

    ALBA ZALUAR
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    05/04/2014 03h00

    REAÇÃO CONSCIENTE

    O problema é grave. A violência contra as mulheres é fenômeno mundial que deixa sérios efeitos, visto que pode levar logo a traumatismos, incapacitações e óbitos, mais tarde a mudanças fisiológicas e psicológicas induzidas pelo estresse decorrente do trauma. As mulheres que sofreram abusos têm altas taxas de gravidez não desejada, abortos, desfechos neonatais e infantis adversos, infecções sexualmente transmissíveis e transtornos mentais.

    No Brasil, mudanças no aparato institucional já foram feitas. A legislação foi mudada com a Lei Maria da Penha e a de notificação compulsória. Já contamos com delegacias especiais para atender as mulheres agredidas. Existem em número crescente serviços que dão assistência às que sofrem violências.

    A reação imediata de mulheres pelo país afora aos resultados da pesquisa do Ipea que revelou que um quarto da população acha que a mulher que exibe seu corpo merece ser atacada, afirmando publicamente que seu modo de vestir é uma escolha livre e não a justificativa para o estupro, demonstra o quanto estão mais conscientes e organizadas. De fato, há também associações mais ou menos informais de proteção interna ao gênero funcionando há tempos, embora timidamente.

    Mas a aplicação de leis e políticas para mulheres em todo o país é irregular e, principalmente, persistem preconceitos e covardias. Falta assegurar que a intolerância à violência contra as mulheres, duplamente covarde, chegue a todos os rincões e, sobretudo, nos corações e mentes de homens jovens instilando-lhes a vergonha de agir violentamente contra as mais desprotegidas entre as mulheres.

    Os programas de prevenção primária que levem em conta a desigualdade de gênero ainda são poucos. Como afirmou Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU: "Peço aos governos que aproveitem as ideias e a liderança dos jovens para nos ajudar a pôr fim a essa violência pandêmica. Só então teremos um mundo mais justo, pacífico e equitativo".

    E já sabemos onde e com quem intensificar tais ações. As zonas onde há mais coesão social por causa da homogeneidade étnica, religiosa e social, onde a moradia é de longa data e os vizinhos desenvolveram relações de confiança e ajuda mútua, onde há mais associações, essas zonas são as que apresentam taxas de criminalidade mais baixas, escolas mais eficazes, bem como adultos mais responsáveis que socializam os mais jovens segundo os valores e regras de convivência claros, aprovados socialmente pelos locais, aí incluídos a proteção dos mais frágeis: mulheres, crianças e idosos.

    Ao contrário, as mulheres –especialmente as que migram sozinhas e não são casadas– perdem a proteção dos seus parentes mais próximos e não têm tempo suficiente para desenvolver relações de confiança e de solidariedade com os vizinhos onde elas vivem. Isso as atinge justamente na faixa de idade de maior produtividade no trabalho e também de maior fecundidade, ou seja, dos 15 aos 35 anos de idade.

    O meu "não", portanto, deve ser entendido como cautela em interpretar os percentuais de aprovação constados na pesquisa do Ipea, como aposta na capacidade de denúncia e reação das mulheres e suas organizações, como esperança de que o aparato institucional existente torne-se mais eficaz em deter abusos e agressões contra as mulheres. Nunca como uma subestimação do problema que tais violências provocam.

    Esse tipo de pesquisa que afirma respostas e pede para confirmar têm um viés. Suscitam o espelhamento mais do que o julgamento dos entrevistados. Estes manifestam a tendência em concordar com o que diz o pesquisador. Os números estão provavelmente exagerados.

    Mãos e mentes à obra!

    ALBA ZALUAR é professora titular de antropologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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