• Opinião

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    Editorial: Mulheres de Campinas

    14/04/2014 03h00

    Alguma incredulidade ronda a notícia vinda de uma comunidade carente em Campinas. Dá-se mal, na favela do Menino Chorão, o homem que agredir física ou verbalmente a própria mulher.

    Segundo Maria do Carmo Pereira de Sousa, vigora há dois anos um sistema de represálias ao marido violento. Prevê-se a suspensão, por 15 dias, de qualquer atividade sexual; também sua participação em rodas de cerveja, mesas de sinuca ou futebol é coibida.

    Cerca de 200 mulheres zelam pelo cumprimento da penalidade. Casos de reincidência já implicaram, segundo o relato, no espancamento público do cônjuge obstinado.

    O caso suscita várias questões. Seria necessário saber quais as razões que impedem tal tipo de marido, na iminência de receber a sentença, de romper o laço conjugal.

    Inverta-se a pergunta, entretanto, e o que se reencontra é uma situação clássica nas sociedades machistas. O que fazia com que uma mulher, repetidas vezes espancada, persistisse na vida conjugal? A preocupação com os filhos, sem dúvida; a dependência financeira, muitas vezes; a vergonha; o medo de represálias ainda piores.

    Na ausência de depoimentos mais extensos dos próprios maridos de Campinas –os quais, ressabiados, limitam-se a aprovar laconicamente a lei instituída–, muitas perguntas ficam no ar.

    Nunca é pacífica uma situação em que se faz justiça pelas próprias mãos; do espancamento público ao linchamento, a distância é curta. Nunca é aceitável, por outro lado, que o marido se aproveite de milênios de uma cultura opressiva para fazer da companheira o alvo de agressões covardes.

    Se a prática da comunidade é inédita, curiosa e até extravagante, não há dúvida do que revela de mudança cultural. O caso das vigilantes campineiras se inscreve no mesmo movimento que leva muitas mulheres a protestar contra abusos no metrô e a defender, com razão, seu direito de usar as roupas que bem entenderem.

    A "greve do sexo" tem precedentes clássicos, e algo míticos, numa comédia de Aristófanes. Lideradas por Lisístrata, mulheres fartas do incessante guerrear dos maridos impuseram-lhes a punição agora em pauta na cidade paulista. Pelo menos, a punição mais branda.

    Nos casos mais violentos, com o agressor amarrado e espancado, a referência cabe à sorte do rei Penteu, despedaçado pelas bacantes após subir a uma árvore para melhor espiá-las na nudez. Mas se trata de uma tragédia de Eurípides –e cabe esperar que ninguém se veja estimulado, hoje, a chegar a tanto.

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