• Opinião

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    Editorial: 100% político

    29/04/2014 02h00

    A entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva à Rádio e Televisão de Portugal (RTP) que foi ao ar no sábado não é a primeira oportunidade em que escolhe solo estrangeiro para dar declarações temerárias sobre o mensalão. Neste caso, o ex-presidente preferiu atacar as instituições, ao contrário do que fez quando ocupava a Presidência.

    Em Paris, a 15 de julho de 2005 (seis semanas após estourar o escândalo do mensalão), o então presidente admitiu que o PT tivesse cometido erros e que precisava explicar-se à sociedade. Afirmou que o Estado brasileiro iria apurar o caso até o fim. A temeridade, na ocasião, foi tentar justificar os erros como algo que todos os partidos praticam no Brasil.

    Em Lisboa, Lula fez algo muito mais grave: pôs sob suspeição o próprio Supremo Tribunal Federal.

    O ex-presidente disse à jornalista Cristina Esteves, da RTP, que não iria examinar decisões da Suprema Corte e fez exatamente o oposto, ao declarar que a decisão fora 80% política e 20% jurídica. Foi além: tudo não teria passado de um massacre para destruir o PT; a história do mensalão, com o tempo, deverá ser recontada.

    A afoiteza, a enumeração fantasiosa de conquistas de governos petistas e o espantalho da conspiração das elites são característicos da única retórica que Lula demonstra conhecer –a de palanque. A incongruência de dirigir-se nesse tom a ouvidos portugueses sugere que o petista em realidade pretendeu enviar mensagens algo cifradas ao Brasil, que correligionários entenderão como ordem para "ir para cima" dos adversários.

    Em outras palavras, Lula parece bem mais disposto a se tornar candidato do que semanas atrás.

    Sim, ele disse e repetiu, na entrevista, que não está candidato e que será cabo eleitoral de Dilma Rousseff. Mas, com a esperteza que atribui ao brasileiro, reiterou o lugar-comum de que, em política, não se pode dizer "nunca" (como preferiria a sucessora, ainda que talvez lhe convenha Lula verbalizar críticas ao STF que ela, como mandatária de outro Poder, não se permite externar).

    "Troço de doido", reagiu o ministro do STF Marco Aurélio Mello, um dos poucos, ao lado de Gilmar Mendes e de Joaquim Barbosa, a se pronunciar sobre a contabilidade luliana. Não é loucura. Temeridade, por certo, jactância, mas cometidas com método e cálculo, zero de desvario.

    Lula mostrou-se como o que é, 100% político. E, no contexto de crescente descrédito e perda de popularidade da presidente que fez eleger, 80% cabo eleitoral do PT e 20% pré-candidato –proporção que não hesitará em virar a seu favor caso confie em eventual vitória.

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