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    Claudio Lenz Cesar: Skate na escola

    05/05/2014 02h00

    Não concordo, mas respondi como o professor queria. Vou estudar na véspera, pois há muito a decorar e não quero esquecer. Tenho que fazer uma pesquisa: copiar trechos da Wikipédia. Qual é o afluente esquerdo do rio Solimões em Tefé? A barata é um artrópode? Quais as leis de Newton, segundo a apostila? O avião cai como uma pedra, sem atrito?

    O Brasil vai mal em educação, segundo pensadores e os resultados de exames nacionais e mundiais. As frases acima, comuns entre nós, denunciam um ensino à base de memorização e acúmulo de definições.

    A maioria dos adultos é analfabeto funcional. Matemática e lógica passam ao largo da educação. Nosso extenso programa escolar, combinado com o método em que o mestre dita e o aluno copia, resulta, quando muito, na acumulação de definições rasas. O aluno é passivo e pouco questiona ou aprofunda as ideias transmitidas. A experimentação ou observação da natureza é praticamente inexistente.

    Imagine uma escola onde, em biologia, usa-se microscópio, observam-se células se dividindo e bactérias proliferando, e fazem-se perguntas cada vez mais profundas sobre esses processos até se chegar à resposta "A ciência atual não sabe, mas é tema de pesquisa atual".

    Nessa escola, em física, disparam-se foguetes d'água, observa-se e questiona-se a areia da praia ficar mais escura ao encher d'água, experimenta-se a inércia com uma bola em cima de um skate fazendo curva. O objetivo maior do português é ler com prazer e comunicar e escrever de maneira clara.

    Em vez de nomes de afluentes de rios, discute-se a importância deles para o florescimento de uma civilização e suas implicações modernas na questão da poluição, ambiente e qualidade de vida. História não é gravar data e nome da serra que Fidel Castro tomou, mas estudos em grupo para, ao longo de várias aulas, relatarem-se "fatos" históricos e atuais, discutindo-se avanços e atrasos, com menos ideologia e mais observação de dados.

    Experimenta-se, observa-se e questiona-se de maneira mais profunda fenômenos naturais e sociais; pratica-se música, esporte, culinária, marcenaria, costura, primeiros socorros, instalações elétricas, software, robôs, eletrônica. O ensino não é voltado a uma prova –vestibular ou Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), sua versão melhorada, mas sim à vida.

    A crítica arrasadora de um prêmio Nobel de Física sobre o ensino brasileiro em 1950, em "O Senhor Está Brincando, Sr. Feynman?", continua atual. Mesmo a maioria de nossas escolas privadas e de elite se volta para a preparação de uma prova.

    Desperdiçamos vida, recursos e cérebros com essa escola maçante e alienada. Albert Einstein, em "Ideas and Opinions" ("Ideias e Opiniões"), expõe a questão do exercitar cérebros: o estudante é o protagonista no aprendizado e o professor aquele que incita e orienta esse processo.

    Cabe às nossas universidades, com docentes pesquisadores, formar esse "novo" professor. Mas para atrair boas mentes para essa carreira, cabe à sociedade valorizá-la. (Minha campanha é para que o salário do vereador seja limitado ao do professor primário, figura muito mais relevante à sociedade). Com essa nova escola, ganharemos uma enorme produtividade em todos os ramos. Cidadãos capazes de observar e questionar mudarão a face da nossa lei e política e veremos valorização da vida. O chavão inovação pode virar realidade significativa.

    Felizmente, há discussões na academia inspiradas nos projetos "mão na massa" dos laureados L. Lederman e G. Charpak e ações governamentais embrionárias nesse sentido. Tudo isso é bem antigo, dito e repetido, mas pouco praticado.

    Este momento, em que Estados e municípios migram para a educação em tempo integral, é propício para exigirmos dedicação do tempo extra a atividades práticas.

    CLÁUDIO LENZ CESAR, 49, doutor em física pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), é professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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