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    José do Egito Filho: Pesquisas, desinformação e equívocos

    20/05/2014 02h00

    Na qualidade de presidente de uma entidade que defende a ampliação do acesso da população a medicamentos, li atentamente a reportagem sobre automedicação publicada neste jornal ("Automedicação estimula hiperdosagem", "Saúde+Ciência", 4/5). A Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abad) sempre se posicionou a favor da automedicação responsável, apoiada no parecer da própria Organização Mundial da Saúde (OMS), como bem lembrou o colunista Hélio Schwartsman, nesta mesma Folha, na terça-feira (6).

    Não sendo uma entidade da área da saúde, alguém poderia perguntar qual o nosso interesse no assunto. É muito simples. Como agentes de distribuição, o cerne do nosso negócio não é o comércio, mas a prestação de serviços de logística para a indústria e para o pequeno varejo independente, aquele que não está ligado às grandes redes: a lojinha de bairro, a mercearia da periferia, o mercadinho à beira da estrada de terra.

    Assim, também prestamos um serviço essencial para o consumidor que vive longe dos grandes centros, porque as indústrias somente conseguem atender 48% do mercado. Os outros 52% dependem do atacadista distribuidor, o que não é pouca coisa. Hoje, atendemos a mais de 1 milhão de pontos de venda em todos os 5.570 municípios brasileiros. Então, por que não colocar essa expertise e capilaridade a serviço da saúde da população?

    É um sonho antigo nosso poder disponibilizar medicamentos isentos de prescrição (MIPs) nos pequenos varejos, para atender às localidades mais remotas. Nem os agentes de distribuição nem o varejista ficarão ricos vendendo remédios. O relevante nesse caso é a possibilidade de agregar valor a esse pequeno comércio, pois a oferta desses produtos significa conveniência e melhor qualidade de vida para as pessoas, pela rapidez e facilidade de acesso aos medicamentos.

    Dados da consultoria Nielsen mostram que existiam, em 2012, 81.356 drogarias e perfumarias no país. Se fossem acrescentados a essa rede os pequenos varejos atendidos pelos agentes de distribuição, o número passaria para 537.239 estabelecimentos.

    Em muitos países, a venda de MIPs é liberada no varejo comum, pois os governos compreendem os benefícios dessa medida, dado que são medicamentos de ampla utilização e baixíssimo risco. No Brasil, contudo, muitos são contra a liberação, e a questão mais polêmica é justamente a hiperdosagem, conforme a reportagem apontou.

    Porém, dados divulgados em 2010 pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) mostraram que, embora os medicamentos apareçam entre os principais agentes de intoxicações, em 43% dos casos estes são ansiolíticos, antidepressivos e anticonvulsivantes –categorias que não são classificadas como isentos de prescrição. Aliás, dos mais de 30 mil casos de intoxicação registrados em 2007, apenas 967 (cerca de 3,2%) envolveram o uso de MIPs. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderia, inclusive, aumentar a margem de segurança, criando um grupo de MIPs ainda mais restrito para venda no varejo.

    Há também quem questione a adequação dos pontos de venda para a comercialização de medicamentos. Ora, esses estabelecimentos já comercializam uma série de produtos que necessitam de cuidados especiais de manuseio, higiene e armazenamento, como perecíveis e produtos de limpeza doméstica potencialmente tóxicos. As inspeções periódicas da vigilância sanitária e a capacitação promovida pela indústria e pelos agentes de distribuição qualificam o pequeno varejo para trabalhar com qualquer produto destinado ao consumo.

    Os argumentos contrários não se sustentam. Só lamentamos o fato de termos nas mãos a possibilidade de prestar um serviço relevante e sermos impedidos por uma legislação retrógrada, que trata o consumidor como incapaz. Os agentes de distribuição estão dispostos a contribuir para melhorar o quadro da saúde no país. Mas a lei precisa mudar.

    JOSÉ DO EGITO FROTA LOPES FILHO, 51, é presidente da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abad)

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