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    Paulo Alexandre Barbosa: A mensagem de esperança do Museu Pelé

    15/06/2014 02h00

    Sempre passa sem ser notado o aniversário de um fato marcante do futebol, um símbolo de como o esporte já ajudou a derrubar muros e unir povos. Há 45 anos, em janeiro de 1969, Pelé e o lendário Santos dos anos 60 enfrentaram as seleções do Congo, em Brazzaville, e da República Democrática do Congo, em Kinshasa. As partidas só ocorreram após um armistício que interrompeu as hostilidades entre os países, então alimentadas pela Guerra Fria e pelo conflito armado que marcou a história das ex-colônias europeias na África.

    As vizinhas Brazzaville e Kinshasa, separadas pelo rio Congo, suspenderam a luta para que o Santos de Pelé pudesse jogar. O resultado foi o que menos importou. Os santistas, que já haviam excursionado pelas mesmas cidades em 1967, paravam uma guerra, liderados por um espetacular camisa 10, negro como os espectadores africanos.

    As passagens santistas pela África renderam a Pelé um busto no Estádio da Amizade, em Libreville, Gabão. No Brasil, o episódio que de modo espontâneo promoveu a paz é praticamente desconhecido da grande massa de torcedores. Precisa ser contado e recontado sempre que possível, em nome de um zelo maior com a memória nacional. Cuidar dessa memória é um dos principais papéis a que se propõe o Museu Pelé em Santos.

    O espaço será aberto durante a Copa, em um resgate que começa pelos prédios em que foi erguido. Tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico), os casarões do Valongo, antigas sedes da Prefeitura de Santos e da Câmara Municipal, são símbolos do período cafeeiro e estavam em ruínas. Hoje, tornam-se importantes elementos paisagísticos do centro histórico e indutores de novos empreendimentos em uma área outrora degradada.

    O Museu Pelé também permitiu construir um tipo de parceria ideal, suprapartidária e público-privada. Foram investidos no projeto cerca de R$ 50 milhões, com ajuda federal, estadual, municipal e da iniciativa privada. O bolo de verbas privadas reuniu 28 empresas e corresponde à maior parte, ou 60% do total investido.

    A união de forças entre município, Estado e União ocorre em outras obras da Baixada Santista, como a implantação do VLT (veículo leve sobre trilhos), e é exemplo de um amadurecimento necessário para que a classe política recupere credibilidade, pois foi em momentos de coalizão republicana que o Brasil deu alguns dos principais saltos recentes, como a Constituição em 1988 e o Plano Real em 1994. É essencial ao gestor público reconquistar o cidadão para que ele bote fé que projetos planejados, alguns prometidos há décadas, sairão do papel.

    O consenso de que o Museu Pelé era, além de nacionalmente relevante, importante polo turístico e de negócios conduziu a combinação de recursos que viabilizou a construção. Gerido pela prefeitura em parceria com a AMA Brasil, organização que trabalha na preservação do patrimônio histórico, artístico e ambiental, este espaço nasce com os propósitos de ser referência internacional da nossa cultura popular e de ajudar no entendimento da dimensão da figura que por décadas foi mais conhecida mundo afora que o próprio presidente brasileiro.

    O singular acervo de Pelé será enriquecido com recursos tecnológicos, jogos interativos, depoimentos e vídeos raros, como o de um "gol esquecido" de Garrincha em 1958. Terá um lugar cativo no local uma valiosa réplica da Jules Rimet, símbolo do futebol como expoente da cultura brasileira. A taça original de ouro, conquistada após o tricampeonato de 1970 no México, foi furtada e derretida.

    Expor uma Jules Rimet, contar ou recontar histórias de forma criativa e recuperar arquivos raros do esporte são, assim, maneiras de tirar parte de nossa história da penumbra. O futebol tem lugar no mosaico evolutivo do Brasil como nação e um país necessita entender a sua gênese para se desenvolver. Nesse contexto, o Museu Pelé quer dar a sua contribuição, levando ao maior número possível de pessoas uma mensagem de esperança. Para quem não sabe, sim, é possível parar uma guerra com uma bola de futebol.

    PAULO ALEXANDRE BARBOSA, 35, é prefeito de Santos (PSDB). Foi deputado estadual, secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (2011-2012, gestão Alckmin) e secretário de Estado de Desenvolvimento Social (2011)

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