• Opinião

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    Editorial: Conselhos polêmicos

    15/06/2014 02h00

    Um exagero quase histérico vem marcando as reações ao decreto presidencial nº 8.243, que estabelece diretrizes para mecanismos de participação social na administração federal. Publicado no final de maio, o diploma não torna tais instâncias obrigatórias nem lhes concede poder de decisão.

    Reconhece (e estimula) uma situação de fato. Desde os anos 1980, uma infinidade de coletivos se introduz nos governos com o propósito de influenciar sua atividade.

    Em tese, é positivo que o poder público seja permeável às pressões da sociedade. Sobretudo no caso das instâncias apenas consultivas, que são a maioria e não têm capacidade deliberativa, sua existência não solapa a democracia representativa nem esbulha prerrogativas do Congresso.

    Nem por isso o decreto é bom. Sua amadorística concepção estabelece vagamente que os integrantes dos conselhos de políticas públicas serão "eleitos ou indicados pela sociedade civil", em condições paritárias com o governo.

    São critérios que acentuam a tendência de a administração manipular esses coletivos. Em vez de vocalizarem os interesses de setores que representam, convertem-se muita vez em mecanismo pelo qual movimentos são amestrados.

    Difícil de resolver, o problema da composição desses conselhos mostra as ilusões da democracia participativa. A pretexto de ampliar a participação da sociedade, termina por restringi-la a uma camada de militantes e lobistas profissionais que dispõem de tempo e recursos para "participar".

    A suspeita de que o decreto cristalize o aparelhamento do Estado federal pelo PT tem respaldo num dispositivo crucial. Nele, fica explicitamente autorizado que integrantes dos conselhos possam manter "parcerias" com o órgão público que monitoram.

    É duvidosa, também, a oportunidade da medida. De aparência inócua, surge como pretensa e tardia resposta ao clamor de junho de 2013. Às portas de uma campanha eleitoral renhida, o decreto gera ainda outra desconfiança: seria uma providência cautelar para o caso de o PT ser expelido do poder pelas urnas?

    A oposição pretende que a Câmara dos Deputados vote um decreto legislativo que revogue o presidencial. Embora seja improvável que o Congresso delibere sobre tema controverso em ano eleitoral, a polêmica dos conselhos evidencia a necessidade de regulamentar o lobby em geral –pois é disso que se trata– em lei.

    Deve-se buscar uma fórmula que garanta o princípio do contraditório no âmbito dos conselhos, que confira máxima transparência a sua atuação e que dificulte a apropriação privada de recursos públicos.

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