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    Bebida alcoólica deve ser liberada em estádios? Não

    05/07/2014 02h00

    RONALDO LARANJEIRA E ANA CECÍLIA MARQUES: BEBIDA ALCOÓLICA DEVE SER LIBERADA EM ESTÁDIOS?

    A maioria dos países proíbe o consumo de álcool nos estádios. As Copas do Mundo, infelizmente, fogem à regra. Foi exceção na África do Sul, no Brasil e já está definido que na Rússia e mesmo no islâmico Qatar serão permitidas bebidas nos jogos.

    Isso se deve à grande pressão da indústria cervejeira internacional que, em conluio com a Fifa, coloca dentro do contrato para a participação na Copa uma cláusula pétrea prevendo que todos os produtos dos patrocinadores deverão ser comercializados durante o evento. Em 2007, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou com o presidente da Fifa, Joseph Blatter, um vergonhoso compromisso suspendendo leis vigentes no país para permitir o consumo de álcool nas arenas.

    Depois disso, por inúmeras vezes, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB), defendeu abertamente a manutenção da venda de cerveja posterior à Copa de 2014. O ministro, que deveria defender o esporte e a saúde, se posiciona a favor dos interesses da indústria de cerveja. Esquece que vários Estados adotaram leis proibindo a venda devido a aumento substancial da violência.

    O álcool afeta o controle dos impulsos e a capacidade de tomar decisões complexas, deixando a pessoa mais impulsiva. Ao ser exposta a pequenos conflitos, o intoxicado tende a responder com maior radicalismo e violência. Evidências científicas apontam para muitas outras interfaces do uso do álcool como causa do desenvolvimento de doenças crônicas não comunicáveis, violência interpessoal, doméstica, contra crianças e autoinfringida, levando ao aumento das taxas de suicídio, doenças mentais, acidentes no trânsito, entre outras consequências que geram incapacidades e morte precoce.

    O Estado de São Paulo aprovou a lei nº 9.470 em 1996, que proibiu a venda, distribuição ou utilização de bebidas alcoólicas em estádios devido a inúmeros eventos violentos, em especial a "noite das garrafadas", quando torcidas rivais entraram em confronto sob o efeito do álcool, principalmente cerveja. Minas Gerais, após proibir o álcool, teve diminuição de 75% das ocorrências nos estádios. O mesmo ocorreu em Pernambuco, que em 2007, antes da proibição, teve 468 registros e, depois, em 2010, somente 112.

    O Ministério Público de vários Estados tentou bravamente evitar a cerveja nos estádios na Copa. Entregou pedido formal ao presidente da Comissão Especial da Câmara, Renan Filho (PMDB-AL), e ao relator da Lei Geral da Copa, Vicente Cândido (PT-SP). Os deputados não ouviram o Ministério Público ,e a Copa do Mundo está sendo regada a cerveja, nos estádios e nas televisões, criando associação da bebida com futebol para toda uma nova geração. Literalmente deseducando nossos jovens e crianças.

    Há poucos dias, na metade do torneio, os próprios dirigentes da Fifa mostraram-se surpresos com o número de pessoas intoxicadas nas arenas. Aos que veem os jogos, fica claro que o consumo de cerveja é difundido e atrapalha o espetáculo, com inúmeros consumidores andando durante o jogo para comprar novos copos da bebida. Os episódios de violência estão sendo menos alarmantes do que seria de se esperar, pois o contingente policial é enorme e qualquer tumulto é logo contido.

    Para o bem dos brasileiros, as leis estaduais deverão voltar a valer logo após o dia 13 de julho. A sociedade organizada, os defensores do verdadeiro espírito esportivo deverão se juntar para que essa derrubada momentânea das nossas leis, que nos protegem, seja somente um episódio lamentável de perda dos nossos marcos legislativos em benefício da indústria de cerveja.

    RONALDO LARANJEIRA, 58, médico psiquiatra, é presidente da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina)
    ANA CECÍLIA MARQUES, 59, médica psiquiatra, é presidente da Abead (Associação Brasileira do Estudo do Álcool e outras Drogas)

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