• Opinião

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    Pablo Ortellado: Os bastidores da Copa

    19/07/2014 02h00

    Agora que a Copa do Mundo se encerrou, podemos fazer um balanço dos impactos políticos e sociais trazidos pela realização do torneio no país. Fazer esse balanço é como ver a coxia e os bastidores de um grande espetáculo –isto é, todos aqueles processos ocultos que são necessários para o show acontecer.

    Embora parte dos manifestantes que protestavam contra a Copa tenha reclamado bastante da prioridade orçamentária dada ao evento, os problemas mais graves são as remoções de pessoas para a realização de obras, os desastres em construções realizadas apressadamente, a inexplicada isenção tributária concedida à Fifa e seus parceiros comerciais e a virtual suspensão dos direitos civis para impedir protestos durante o evento.

    Ao se comprometer em realizar a Copa, o Brasil aceitou o compromisso de reformar seus estádios e ampliar o sistema de transporte das cidades-sede. Há muita controvérsia sobre o número de pessoas que tiveram suas casas desapropriadas para a realização das obras. O governo federal calcula 35 mil pessoas e os Comitês Populares da Copa estimam que sejam até 250 mil. Seja como for, é um número muito grande de pessoas removidas compulsoriamente de suas residências –a maior parte delas pobres que receberam indenizações insatisfatórias e foram transferidas para localidades afastadas.

    A essas vítimas, somam-se os oito operários mortos na construção e reforma dos estádios –mortes que suspeita-se que poderiam ter sido evitadas se não houvesse tanta pressa para atender aos prazos do evento. Na lista, também constam os dois cidadãos de Belo Horizonte atingidos recentemente pelo desabamento de um viaduto em construção para a Copa.

    Outro impacto negativo foi a isenção tributária concedida a Fifa e a parceiros, estimada pelo Tribunal de Contas em mais de R$ 1 bilhão. A Fifa alega que isenção tão ampla foi uma "liberalidade" do governo brasileiro. Já o governo afirma que a isenção foi uma exigência da organização. O fato é que nem a Fifa nem seus parceiros recolheram tributos, taxas ou contribuições na operação de uma atividade comercial muito lucrativa. Para se ter ideia da dimensão do montante, se o valor fosse revertido para as famílias oficialmente removidas, cada uma delas poderia receber uma indenização adicional de cerca de R$ 100 mil.

    Mas as medidas com efeitos mais danosos foram as que impediram protestos durante o evento. Quase todas manifestações foram impedidas de se reunir ou de se deslocar. Foi assim no protesto na abertura da Copa, em São Paulo, que foi dispersado brutalmente pela Polícia Militar antes de as pessoas se reunirem, ou na manifestação em Belo Horizonte, no dia 14 de junho, na qual a PM cercou os manifestantes na praça Sete e os impediu de se locomover. Além disso, na manifestação de 4 de julho, em Fortaleza, a polícia simplesmente deteve os que começavam a se concentrar para sair em passeata.

    Em muitas cidades-sede, ativistas foram convocados para depor coercitivamente em dias de manifestação, aparentemente com o intuito de impedi-los de protestar. No Rio, 30 ativistas foram alvo de mandados de prisão temporária na véspera da manifestação convocada para a final da Copa. Em São Paulo, 538 ativistas foram detidos em protestos contra a Copa. Dois deles seguem presos há quase um mês.

    Olhando para todo o custo social e político, podemos nos perguntar: valeu a pena o espetáculo? É uma pergunta oportuna para um país que sediará a Olimpíada em 2016.

    PABLO ORTELLADO, 40, é professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. É co-autor do livro "Vinte centavos: a luta contra o aumento" (Editora Veneta)

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