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    Joseph Sayah: As mulheres na sociedade libanesa

    23/07/2014 02h00

    No domingo, 29 de junho, o programa "Fantástico" da TV Globo levou ao ar uma reportagem na qual tratava da condição da mulher na sociedade libanesa e cuja conclusão foi a de que aquele era um lugar que ainda não chegara ao século 21 e no qual a mulher seria propriedade do homem.

    No Líbano, como no Brasil, a imprensa é livre. Como representantes do Estado libanês, vemos com bons olhos a possibilidade de que veículos de imprensa brasileiros se interessem por um país geograficamente distante, mas tão presente no tecido social e na história do Brasil.

    Além da matéria do "Fantástico" ter-se permitido uma parcialidade e uma superficialidade inaceitáveis, ignorando dados largamente conhecidos sobre a condição das mulheres que se pretendia analisar, ela continha erros factuais.

    Em determinado momento é exibido um trecho de entrevista com uma senhora que nos é apresentada como deputada do parlamento libanês, uma das quatro mulheres entre os 128 deputados. Ora, acontece que Nadine Moussa, ainda que possa ser uma respeitável ativista social, não é e nem nunca foi deputada.

    Além disso, não pareceu necessário à reportagem mencionar que as mulheres libanesas ocupam cerca de 40% das funções da administração pública do país e que na imprensa as mulheres representam cerca de 60% da força de trabalho, de acordo com o sindicato dos jornalistas libaneses.

    Tampouco pensou ser útil dizer que, no campo educacional, de acordo com um relatório conjunto da União Europeia e do Central Administration of Statistics (Administração Central de Estatística do governo do Líbano), publicado em 2012 por Najwa Yaacoub e Lara Badre, o número de estudantes mulheres no ensino superior representa 53% do total e que, desde a pré-escola até o ensino universitário, as mulheres são maioria no sistema educacional público e privado no Líbano.

    Recente estudo realizado pela organização Freedom House sobre o Líbano, informa que o país possui uma das legislações mais avançadas entre os países da região na proteção dos direitos da mulher. O Líbano foi um dos primeiros países do Oriente Médio a ratificar a Convenção das Nações Unidas pela eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, em 1997, conforme relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

    No Líbano a igualdade de gênero ganhou força na reforma constitucional de 1952, conferindo às mulheres iguais direitos civis e políticos. Nas leis trabalhistas do país, a discriminação de gênero é punida severamente pelo código penal.

    Quando todas estas coisas deveriam ser consideradas numa reportagem que quisesse tratar a questão das mulheres no Líbano, optou-se apoiar as terríveis conclusões em um punhado de casos dramáticos de violência doméstica ou relacionados ao direito de família. Não se duvida de que possa haver verdade em várias dessas situações e a ocorrência de outras não nos é ignorada. No entanto, isto só serve para mostrar que o Líbano é como os demais países e não está livre de todo mal.

    Assim como o Brasil, o Líbano deve enfrentar uma árdua e permanente luta pela efetivação dos direitos humanos e, dentre estes, os das mulheres. Que um veículo de informações sério queira se debruçar sobre essas situações como material digno de discussão é algo contra o que ninguém pode se opor e seria, ao contrário, um esforço a ser louvado. Mas, não é aceitável que se queira manipular esse material e, adicionando algumas inverdades, utilizá-lo para manchar injustamente a reputação de um país com profundas relações com a sociedade brasileira.

    JOSEPH SAYAH, 57, é embaixador do Líbano no Brasil

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