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    Flavio Comim: O "déjà-vu" IDH

    30/07/2014 02h00

    Avanço discreto. Crescimento modesto. Progresso tímido. Ritmo lento. Os adjetivos podem variar, mas retratam a mesma realidade já vista nos anos anteriores, que sugere que o país está preso a uma "armadilha de estagnação" do seu desenvolvimento.

    Como sempre, o governo brasileiro reclama dos dados desatualizados usados no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Impossível livrar-se de uma forte sensação de "déjà-vu" quando o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) anuncia –outra vez– que o Brasil subiu apenas uma posição no ranking do IDH.

    Em meio à mesmice, a mídia parece estar mais interessada nas divisões internas do PNUD sobre a eficiência do Bolsa Família do que nas informações trazidas pelo IDH deste ano. O "'déjà-vu' IDH" parece nos ajudar pouco ou quase nada a entender os desafios de curto prazo e problemas estruturais brasileiros.

    A origem desse "'déjà-vu' IDH", que nos conta quase a mesma história anualmente, está no tecnicismo que impregnou o modo de interpretar a variação anual do IDH. O que um cidadão normal faria para saber se o país melhorou ou piorou no IDH? Faria uma comparação simples entre o ranking passado e o ranking atual. Mas isso não é o que o PNUD faz.

    Primeiro ele atualiza o IDH do ano anterior. Isso gera um "passado revisado". Depois, compara o novo ranking com esse "passado revisado". O resultado disso é que as variações de ranking ficam escondidas entre o passado e o "passado revisado" obliterando informações importantes. Politicamente, ficam soterradas nessa revisão todas as grandes variações que fizeram do IDH um indicador tão relevante para a política pública. Esse procedimento diminui o risco de dar uma má notícia, mas também esconde as boas, o que é o caso agora.

    Retiremos o tecnicismo e veremos que o Brasil subiu esse ano seis posições no ranking do IDH. O governo brasileiro estaria agora celebrando ao invés de lamentando. O Brasil estava na 85º posição no ano passado e está agora na 79º posição.

    Por outro lado, se aceitarmos o tecnicismo deixaremos de reconhecer o grande avanço brasileiro na área de educação, principalmente no ganho de um ano na expectativa de vida escolar no Brasil, que chega a 15,2 anos de estudo, dado similar ao de Cingapura ou do Japão, por exemplo.

    No ano passado, o Brasil tinha 81,1% da expectativa escolar da Noruega (1º no IDH). Agora, subiu para 86,4%, um aumento anual expressivo. Isso não nega os grandes desafios que o país tem pela frente na melhoria da qualidade e desigualdade da educação. Mas, ao reconhecer esse avanço, mostra como muito mais necessita ser feito na saúde e na economia.

    O "'déjà-vu' IDH" esconde na cortina de poeira do tecnicismo e da conveniência política –que harmoniza e suaviza as variações anuais no ranking do IDH– lições importantes de política pública. Primeiro, que o Brasil tem feito muito mais pela sua educação do que pela sua saúde. O país incorpora hoje em sua política pública educacional um forte viés de inclusão, de avaliação e de sinergias com o setor privado que não tem paralelo com a política pública de saúde. Segundo, que enquanto há metas claras para a saúde e educação, não há nada estabelecido para um padrão de vida desejado para os brasileiros (a renda nacional bruta per capita do Brasil é apenas 22,3% da renda da Noruega, por exemplo).

    Precisamos reconhecer as flutuações nos rankings nominais do IDH para que possamos identificar com maior clareza metas e desafios para o desenvolvimento humano do país. O "'déjà-vu' IDH" mais esconde que revela e, portanto, é a antítese da razão de ser do Índice de Desenvolvimento Humano.

    FLAVIO COMIM, 47, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade de Cambridge, foi economista sênior do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)

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