• Opinião

    Friday, 17-May-2024 03:01:36 -03

    Julio Hadler Neto e Adriana Ferreira: O ensino médio é um caminho

    05/08/2014 02h00

    O ensino médio público no Brasil forma por ano 1,5 milhão de alunos. É sabido, porém, que a baixa qualidade o impede de "alimentar" um aumento substancial no número de vagas no ensino superior em áreas como física, química, matemática e, especialmente, nas engenharias, o que é tão necessário para que o país possa se tornar um protagonista com alguma importância em ciência, tecnologia e inovação. Assim, o ensino médio tornou-se um gargalo que constitui um dos entraves importantes para o nosso desenvolvimento. Além disso, e não menos importante, a má qualidade da escola pública enseja a perpetuação da abissal desigualdade social que grassa em nosso país.

    O fórum "Ensino Médio Público no Brasil: propostas para se alcançar a qualidade", ocorrido na Unicamp em maio, organizado pela professora Elizabeth Balbachevsky (USP) e pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses/Unicamp), ouviu alguns dos principais atores que estão diretamente envolvidos com o assunto: diretores de escolas, professores e especialistas.

    Quando pensamos em ensino público, que visão vem à mente? Uma escola cuja conservação não é das melhores, professores pouco motivados por baixos salários e precárias condições de trabalho, alunos desinteressados e malformados. Esse conjunto de fatores se reflete em resultados impressionantemente ruins. No Brasil, apenas 29,2% dos alunos que se formaram no ensino médio em 2011 têm nível acima do adequado em língua portuguesa e 10,3% em matemática, segundo dados apresentados durante o fórum pela ONG Todos pela Educação.

    Porém, se olharmos para a escola pública de não muito tempo atrás, encontraremos uma realidade profundamente distinta. Muito já foi escrito sobre o processo de desmonte da escola pública, que teve início no regime militar. Esse não é o ponto aqui. Mas ele serve para evidenciar algo que nunca é demais lembrar: não há nada de inerentemente ineficiente na escola pública.

    No evento na Unicamp, o testemunho de diretoras de escolas públicas do ensino médio de Campinas (interior paulista), Carapicuíba (Grande São Paulo) e de Cocal dos Alves (Piauí), revelou-se encorajador e mostrou que, mesmo partindo de realidades muito adversas, é possível transformá-las em locais em que direção, professores, alunos, pais e funcionários trabalham em conjunto, com forte comprometimento com o objetivo social da escola.

    Um ponto fundamental foi a importância dada à gestão e à formação de uma equipe unida pela construção de uma nova realidade educacional. Mesmo com um corpo docente com significativo grau de rotatividade, o núcleo de gestão se manteve coeso e movido por sólidos e bem definidos objetivos. O esporte e a arte como formas de envolvimento dos alunos com a escola, com a comunidade que a circunda e com a criação de um espírito de grupo chama a atenção. A busca pelo envolvimento das famílias também foi um ponto em comum, pois todas partiram do diagnóstico de que a escola sozinha não é capaz de criar um ambiente favorável ao ensino.

    As direções das três escolas e seus professores conseguiram gerenciá-las de modo a convencer os alunos de que a escola vale a pena, de que abre portas para seu futuro. Esse sentimento é fundamental. Os resultados são animadores com ótimos números no ENEM em comparação com as demais escolas públicas, medalhas em olimpíadas nacionais em diversas áreas e boas taxas de ingresso em universidades públicas.

    O paradigma de que tudo vai mal na escola pública foi quebrado. Com gestão participativa, liderança e espírito público foi possível criar condições mais construtivas e desafiadoras de ensino e aprendizagem. Exemplos como esses apontam para a centralidade da escola pública como elemento constituidor de uma sociedade mais cidadã e para a importância das questões da governança das escolas no desenho de políticas públicas de educação. Cabe às autoridades educacionais criar condições para que exemplos como esses possam se multiplicar.

    O físico JULIO CESAR HADLER NETO, 66, e a economista ADRIANA NUNES FERREIRA, 44, são professores da Unicamp e, respectivamente, coordenador e coordenadora adjunta do Fórum Pensamento Estratégico (Penses)

    *

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

    Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024