• Opinião

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    Sabetai Calderoni e José Pedro Santiago: Brasil sem lixões, já!

    11/08/2014 02h00

    O dia 2 de agosto deste ano marcou o fim dos quatro anos concedidos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos para os municípios erradicarem os lixões. Dos 5.565 municípios do país, 3.344 não cumpriram a lei. Dos 34 lixões brasileiros, 20 continuam a funcionar, inclusive o Lixão da Estrutural, a 15 km de Brasília, o maior de todos.

    O resultado é a contaminação do ar, do solo e do subsolo. Até desmoronamentos e explosões já houve. Pior, há cerca de 400 mil catadores no Brasil. Parte deles trabalha e até mora em lixões, sofrendo frequentes acidentes e doenças. Muitas prefeituras pediram ao governo federal o adiamento, por oito anos, da exigência de pôr fim aos lixões. Por quê? A maioria dos prefeitos alega que é por falta de recursos.

    Para compreender esse argumento, é preciso considerar que nas prefeituras prevalece o entendimento equivocado de que lixão se substitui apenas por aterro. É preciso desfazer esse equívoco. A diretriz maior da Política Nacional de Resíduos Sólidos é adotar a reciclagem de forma intensiva e utilizar o aterro só em último caso. Segundo o Banco Mundial, a reciclagem poderia elevar o PIB do Brasil em U$ 35 bilhões e poupar 10 mil Gigawatt-hora por ano.

    Adotar a reciclagem em vez do aterro permite não utilizar áreas enormes, cada vez mais raras, mais distantes e mais caras. Um aterro para 100 toneladas por dia custa R$ 52 milhões. Uma cidade de 100 mil habitantes paga cerca de R$ 2,7 milhões por ano para um aterro.

    E quando a vida útil do aterro se esgotar, outro será necessário, mais longe que o anterior. Aumenta o custo de transporte, que chega a R$ 550 mil por ano em um município de 100 mil habitantes que fique a 30 quilômetros de distância do aterro.

    Mas a vida útil da central de reciclagem nunca se esgota, ela pode ser implantada perto dos locais onde há maior geração de lixo e utiliza área muito pequena, menos de 2% da que um aterro requer.

    Os resíduos secos –papel, plástico, vidro, latas de alumínio e de aço–, cerca de 30%dos resíduos domiciliares, são reaproveitados há décadas pelas indústrias, pois geram grande economia de energia, água e controle ambiental, substituindo matérias-primas virgens, muito mais caras. Uma cidade de 100 mil habitantes pode obter R$ 4,8 milhões por ano, só com a venda dos resíduos secos. E a central de reciclagem pode valorizar essas matérias-primas, principalmente plásticos, produzindo os mais variados utensílios. Os investimentos são pequenos e os ganhos enormes.

    É preciso também processar a fração orgânica, os restos de comida, 60% do total. Com a compostagem, obtém-se fertilizante para uso em reflorestamento, parques, jardins e, com certos procedimentos, na agricultura. Um município de 100 mil habitantes pode produzir composto orgânico no valor de R$ 1 milhão por ano.

    Metade da fração orgânica é água, e pode ser reutilizada após tratamento simples, evitando o custo de transporte e aterramento de um terço do lixo domiciliar. É um absurdo, de fato, gastar tanto para transportar e enterrar água.

    Mas os municípios não precisam custear a implantação e operação de centrais de reciclagem. Desde 2004, existe o mecanismo das PPPs -parcerias público privadas: a prefeitura contribui apenas com o terreno, e o parceiro privado arca com os investimentos e os custos operacionais. Há ganhos para todos.

    Os Termos de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público e prefeituras ou consórcios de municípios devem contemplar, sobretudo, centrais de reciclagem.

    Precisamos de um Brasil sem lixões, com aterros pequenos e muita reciclagem.

    SABETAI CALDERONI, 65, é presidente do Instituto de Ciência e Tecnologia em Resíduos e Desenvolvimento Sustentável
    JOSÉ PEDRO SANTIAGO, 66, é engenheiro agrônomo. Foi presidente da Câmara Setorial de Agricultura Orgânica do Ministério da Agricultura

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