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    Claudio Carvalho: O pai e o avesso do direito

    02/09/2014 02h00

    Em reportagem publicada pela Folha, na edição de 3/8, sobre o sequestro internacional de crianças, por pais residentes no exterior que regressam ao país trazendo os filhos à revelia do outro genitor, foi exposto o drama de pais e mães destituídos de sua autoridade parental ao mesmo tempo em que revela a face perversa de uma prática cada vez mais presente nos desenlaces conjugais. A distância, a ruptura na convivência e a violência psicológica contra a criança coloca uma questão fundamental relativa aos direitos humanos de crianças e adolescentes.

    Infelizmente as histórias envolvendo o sequestro dos afetos entre pais e filhos tem um quadro mais dramático na realidade das varas de família pelo país. No Brasil, a situação de privação da liberdade de circulação dos afetos e da livre convivência entre os pais separados e os filhos é mais comum do que se costuma admitir e atende pelo nome de alienação parental.

    Depois da lei nº 12.318/2010 para combater a alienação parental, foi criado um mecanismo de amparo às crianças e adolescentes vítimas dos conflitos gerados quando da dissolução do laço conjugal; sendo os filhos muitas vezes a moeda de barganha justamente de quem se esperava proteção, ampliando o conceito de risco na infância na direção inversa: da cena pública para o recôndito lar.

    Como foi apontada na matéria da Folha, a maioria dos casos de alienação parental é patrocinado pelas mães. Soma-se a isso a cultura arcaica ainda predominante no judiciário de que ao pai cabe a participação com a pensão alimentícia, ficando à mãe o privilégio da guarda unilateral. O CNJ promove uma campanha de reconhecimento de paternidade, "Pai Presente", mas uma vez mais a preocupação parece se limitar ao reconhecimento da paternidade a partir de um dado biológico no exame de DNA, medida insuficiente por não instituir filiação.

    Um dos mais importantes papéis de um pai é instaurar para a criança outro discurso diferente das palavras maternas a etiquetar o corpo da cria do humano. É nos cuidados maternos e numa antecipação feita pela mãe ao cuidar do seu bebê que palavras emprestadas recortam o corpo do infans (aquele que não fala), atribuindo sentidos aos choros e às manifestações de desconforto.

    Empréstimo necessário na operação de subjetivação, mas que deve ser relativizada por um inter-dito paterno, como um fiador terceiro nessa economia psíquica, evitando assim uma captura imaginária da criança, unilateralmente, nas malhas do discurso materno. A convivência da criança com a diferença no interior da família é um direito humano fundamental.

    Na Bahia, onde represento a Associação Brasileira Criança Feliz (ABCF-BA), instituição presente em catorze estados do país, que trabalha no combate, estudo e propostas de políticas públicas sobre alienação parental, o trabalho é conduzido na direção de parcerias com o poder público, promoção de palestras, campanhas de conscientização e fiscalização das práticas dos operadores do direito.

    Infelizmente, a situação em nosso Estado é marcada por um direito ao avesso, responsável pela descrença na justiça e na perpetuação de histórias tristes onde pai morre sem restabelecer contato com filho; decisões judiciais são desrespeitadas sem uma ação efetiva dos juízes; promotores do Ministério Público se omitem ao produzir pareceres inidôneos e acusações graves contra os pais dormitam há anos nas empoeiradas prateleiras do judiciário baiano, protegidas pelo segredo de justiça a silenciar o drama de pais e filhos com seus afetos sequestrados.

    CLAUDIO SOUZA DE CARVALHO, 44, psicanalista, diretor da Associação Brasileira Criança Feliz (ABCF-BA), seção Bahia

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