• Opinião

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    Osvaldo Ferreira Valente: SOS água

    08/09/2014 02h00

    Numa visão com viés bem intuitivo de questões econômicas, quando um produto está escasso no mercado, providencia-se aumentar a produção para atendimento da demanda ou aumentar o preço para diminuir o consumo. Ora, se falta água, a lógica econômica também deveria prevalecer. Mas por tratar-se de um bem vital, com memória recente de abundância, fica muito difícil adotar o aumento de preço como regulador do consumo, ressaltando, então, a necessidade de regular a oferta. E a regulação da oferta não tem passado por percepção correta de como a água vai das chuvas aos pontos de captação.

    Para aumentar a produção de água e regular a oferta, principalmente nos períodos de estiagens, a bacia hidrográfica é a unidade básica de trabalho, já definida como tal na própria lei federal nº 9.433, conhecida como Lei das Águas. Bacia hidrográfica é aquela parte da superfície da terra drenada por um determinado curso d'água; ela recebe água de chuva, processa e devolve a maior parte à atmosfera, pela evapotranspiração, conduzindo o que sobra diretamente ao curso d'água, através das enxurradas, ou armazenando em aquíferos subterrâneos, responsáveis pelas nascentes e pelo abastecimento de poços rasos, profundos e artesianos.

    Como a bacia hidrográfica recebe água de chuva, com determinada qualidade, e disponibiliza com outra, devido às interações com componentes do meio ambiente –o chamado ecossistema hidrológico– ela poderá ser conceituada como uma 'fábrica natural de água'; recebe a água de chuva como matéria-prima e a disponibilizada como produto. Assim é possível dizer que a bacia hidrográfica é uma unidade de produção de água. Os volumes armazenados nas represas do sistema Cantareira, por exemplo, são produtos das bacias hidrográficas que estão sustentando as vazões dos rios que chegam até elas.

    O que se vê, nas discussões sobre oferta e falta de água, é um foco no produto. Quando se clama pela chuva é com o desejo de que as enxurradas possam encher as represas e resolver o aperto do fornecimento do recurso vital. Pensa-se como a cigarra da fábula e não como a formiga que armazena para o futuro. Quanto maior for o volume de enxurrada, menor o volume armazenado nos aquíferos subterrâneos e, consequentemente, menores vazões de nascentes e de rios nas estiagens.

    Uma fábrica previdente e bem administrada, sabendo que a matéria-prima tem fornecimento sazonal (a chuva não acontece durante todo o ano no território brasileiro), tem duas alternativas: a primeira é armazenar a matéria-prima e a segunda é armazenar o produto. Como não dá para armazenar chuva, resta a opção de armazenar o produto em represas ou em aquíferos subterrâneos.

    As represas têm altos custos ambientais e de construção e manutenção. Sofrem, também, com a poluição e com as altas taxas de evaporação de água das superfícies expostas, podendo chegar facilmente a valores de cinco litros por metro quadrado e por dia. Quanto aos aquíferos subterrâneos, espalhados ao longo das bacias hidrográficas, são reservatórios construídos pela natureza, com capacidades enormes de armazenamento e onde os volumes de água ficam protegidos e são conduzidos lentamente aos cursos d'água, inclusive nos períodos em que a matéria-prima, chuva, não estiver em falta.

    Há tecnologias disponíveis para fazer com que a bacia hidrográfica, como 'fábrica natural de água', possa aproveitar muito mais a matéria-prima (chuva), em relação ao que faz atualmente, armazenando mais produtos em seu almoxarifado (aquífero) e garantindo fornecimento de água mesmo na ausência de chuva.

    OSVALDO FERREIRA VALENTE, 73, é engenheiro florestal, professor aposentado da Universidade Federal de Viçosa e especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas

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