• Opinião

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    Editorial: Primeiro passo

    29/09/2014 02h00

    Constitui relativo progresso, ainda que insuficiente –como apontaram os membros da Comissão Nacional da Verdade–, a disposição das Forças Armadas de admitir, pela primeira vez, que não têm como negar a ocorrência de violações aos direitos humanos em dependências militares durante o regime ditatorial (1964-1985).

    Mais de 40 anos depois do período em que a tortura sistemática de presos políticos atingiu seu auge, é difícil entender por que o tema desperta na caserna resistências tão frequentes e sólidas.

    Corroborada por inúmeras evidências e admitida por diversos de seus protagonistas, a sevícia dos adversários daquele governo –assim como célebres casos de desaparecimento e assassinato– não teria por que ser negada ou ocultada por uma geração já distante, cronológica e doutrinariamente, de fatos ocorridos décadas atrás.

    O principal mérito da Lei da Anistia, promulgada em 1979, foi o de permitir que o processo de democratização do país se desse num clima desanuviado dos ressentimentos que pesavam sobre ambas as partes em conflito.

    A esmagadora maioria dos que se envolveram na luta armada, a começar da própria presidente Dilma Rousseff (PT), não tem problemas em fazer a revisão histórica de sua estratégia, fundada não só num romantismo revolucionário juvenil, mas também na exaltação da violência e num desprezo ao que então se desqualificava com o termo "democracia burguesa".

    Mesmo oposicionistas moderados, avessos a pegar em armas, foram entretanto torturados barbaramente pelos militares.

    O descontrole da repressão política chegou a ameaçar o próprio sistema de comando das Forças Armadas; na segunda metade da década de 1970, o então presidente Ernesto Geisel teve êxito em barrar um processo capaz de minar as bases de sua própria autoridade.

    Historiadores e cientistas políticos podem, de resto, avaliar de formas diferentes e contraditórias as justificativas de cada lado. O debate, que se projeta para o campo dos valores e das hipóteses morais, não tem como perturbar um modelo vitorioso de convivência democrática, em que os militares têm seu papel definido na Constituição.

    Diante de algumas reações de inconformismo explícito e de velada resistência à elucidação dos fatos por parte de setores das Forças Armadas, os três comandantes ao menos avançaram, em documento oficial, na disposição de não negar o ocorrido.

    O caminho para uma visão histórica mais neutra e equilibrada do passado –no qual, felizmente, a grande maioria dos brasileiros não se reconhece– será ainda longo; mas, pelo menos, foi dado um primeiro passo.

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